Entramos no outro quarto, o que tinha uma cama de casal e um guarda-roupas modesto ali.
— Tem uma das roupas da minha mãe ai ainda, pra tu usar quando a gente sair daqui. — Falou, indo até a janela dali e abrindo uma greta considerável. Não era pra ninguém saber que a gente estava ali, mas pelo menos arejar o quarto a gente ia precisar. Se não, a gente ia morrer sufocado na poeira e no ácaro. Barbás foi até a cama e tirou os lençóis, pegando outros tão empoeirados quanto os anteriores de dentro do guarda-roupas. Ele os abriu e os bateu, deixando-os esticados por uns momentinhos, antes de forrar o colchão amarelado com eles.
Sentei ali, pegando um dos panos floridos e envelhecido pelo tempo guardado pra me enrolar. Abracei meus joelhos e fiquei ali, encostada na parede próxima da janela e olhando as coisas lá fora. Cinza... o céu estava cinza.
— Onde tá sua mãe? — Perguntei, ainda encolhidinha.
— Espirito Santo. — Contou.
— Você tem irmãos, né? Tipo, tinha uma beliche no quarto.
— Tenho um só. Por onde anda só Deus sabe. — Respondeu, indo pra janela e parando na borda, olhando pro céu escuro lá fora. Os sons de tiro não paravam. Não eram muitos ao mesmo tempo, mas a gente sabia que estavam rolando em pontos isolados. Agora com o Peralta morto e o Barbás ali, o comando do nosso lado estava por um fio, fragmentado. Eu desconfiava que o motivo de estarmos escondidos era, justamente, por não sabermos quais as consequências que a morte do nosso ex-aliado teria.
— E o seu pai? — Ele se remexeu desconfortavelmente e eu captei aquela aura negra. Barbás não respondeu, mas pouco tempo depois, deu as costas pra mim e saiu do quarto descendo as escadas. Eu pisquei, tentando entender o que eu tinha feito de errado.
Desci atrás dele e o notei mexendo no móvel de madeira pra conseguir ligar a TV na tomada.
— O que que foi? — Perguntei, cruzando os braços. — É por causa das coisas que eu fiz? De não ter que falado nada, agora você tá me revidando?
Ele riu e continuou sem falar nada, apertando os botões na TV de tubo, tentando fazer ela ligar.
— É por causa daquela coisa que eu falei do Siqueira? — Tentei, fazendo beiçinho quase inconscientemente. Tá, eu falava merda quando ficava nervosa, mas aquilo tinha sido meio além dos limites até pra mim. — Que você não quer mais falar comigo? Tu acha que eu duvido de você e ai tu duvida de mim?
— Disso ai, eu não vou nem te responder. — Falou, sério, achando um controle dentro de uma gaveta. Ele bateu a poeira de cima da coisa. — Tu já parou pra pensar que pode não ser revanche da minha parte? Não é. Não sou criança pra fazer essas coisas. — Ele respondeu, apontando pra TV e apertando o vermelho. Um estalo na TV seguido de um som de interferência preencheu a sala, eu pulei no lugar. Na boa, acho que ninguém esperava que aquilo ainda funcionasse. — Eu só voltei lá naquela casa porque te perdoei. Se eu te perdoei, eu não tenho porque ficar voltando nisso, então, supera. — William falou, depois de dar mute na televisão. Eu fiquei em choque com o fato dele ter lidado com aquilo melhor que eu mesma.
— Então o que é?
— Eu só não quero falar disso, Nina. Não tem nada a ver com o que aconteceu. — Respondeu.
— Você quer conversar sobre o que aconteceu?
— Tu ainda tem alguma coisa pra dizer? — Ele perguntou, finalmente virando pra mim, enquanto mexia na antena portátil da televisão. Eu neguei com a cabeça. — Então eu não tenho nada pra falar. Da minha parte tá de boa.
— Então, a gente pode... tipo... fingir que nunca aconteceu? — Perguntei.
Ele concordou com a cabeça, entretido com os botões da TV. Eu grudei nele, passando meus braços pelo tronco dele, abraçando. Com o braço esquerdo, ele envolveu minha cintura e logo quando eu ia dizer alguma coisa, eu ouvi a voz da repórter do Jornal Nacional.
— Funcionou! — Fiquei chocada. A imagem era bem meh, mas era o jornal... Putz.
— Brabo. — Ele sorriu de canto e virou pra mim, fazendo um carinho na minha cabeça com a mão que tava na minha cintura. Ai, a gente virou pra bater a manta que tava sobre o sofá e decidimos tirar ela por causa da poeira. Felizmente, por baixo estava bem aceitável. Como tinha uma gretinha da janela aberta, o ar já estava bem melhor ali na sala. Apaguei a luz e voltei pra lá, onde a gente sentou juntos, se embolando naquele espacinho ali.
É, eu e ele já tínhamos passado por muita coisa juntos, de verdade. Agora pouco a gente tava desovando um corpo juntos... ér... Estar ali, jogados em um sofá, vendo TV, porém, era algo que eu acho que nós nunca tínhamos feito. Aquilo não combinava com nossa rotina, a gente quase nunca tinha tempo pra fazer umas coisas simples e cotidianas assim, como os outros casais faziam. Então, aquela tranquilidade, mesmo que fosse falsa, afinal, a gente tava com a corda no pescoço, era um momento único e eu não sabia quando ia acontecer de novo... na verdade, a gente não sabia nem se teríamos a oportunidade de repetir. A vida escorregava por entre os nossos dedos tão rapidamente...
— Isso é estranho. — Falei depois de um tempo, ajeitando minha cabeça no ombro dele. — É quase como se a gente fosse um casal comum. Sabe? — Ri, virando de frente pra olhar pra ele. — Tipo assim, você levanta cedo pra trabalhar em algum lugar da Zona Sul ou do Centro e eu... sei lá... sou cabeleireira ou manicure. — Falei, ele riu. — E ai a gente tem um bacuri pra fazer par com o Pedrinho e... — Parei de falar, pensando no menininho que tava numa cama de hospital.
— Porra, eu penso nele todos os dias. — Confessou, passando a mão nos olhos. — Tu não tem noção, Nina.
— Tenho sim. — Passei a mão no peito dele, num carinho singelo. — Eu penso no Pedro também.
— Eu não podia ter errado com ele. — Falou. — Agora eu tô aqui, não posso nem ir ver ele... Eu não sei o que que eu faço se meu filho morrer.
— Ele vai ficar bem, Will. — Sussurrei, tentando passar alguma verdade naquelas palavras.
— A Shirley me contou, Nina. — Suspirou. — Tiveram que aumentar os remédios dele, porque não tava respondendo antes.
— Ele teve umas complicações por causa do tiro, mas, pelo amor de Deus, ele é novo, é saudável... é claro que ele vai se recuperar. Se aumentaram os remédios e funcionou, então ótimo. — Consolei ele e minhas palavras pareceram surtir algum efeito. — Vai ficar tudo bem. Nós estamos pertinho de pegar o M7 agora e fazer ele pagar pelo que ele fez. Depois, a gente dá um jeito de te arrumar uns documentos falsos, pra você visitar ele. Quando ele ficar bom, a gente usa pra ir nadar com as tartarugas. — Sugeri. Ele só concordou com a cabeça, apertando o braço em torno da minha cintura. A gente ficou ali, grudados... curtindo a sensação única do "caseiro".

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...