[WILLIAM]
[...]
Eu tava ali, bebendo desde cedo um whisky que já tava no final e a cabeça a mil, esperando a hora que os tiros iam começar a varar o céu de novo e a gente ia ter que ir lá dar a cara de novo. . Eu tava ligado que não era pra estar bebendo, mas foda-se também. O sol tava se pondo no horizonte, enquanto a PM saia da favela achando que tinha resolvido alguma porra ali. Eu sabia que pouco a pouco, conforme eles iam descendo as tropas deles pelo morro, os irmãos já iam se arrumando nas nossas antigas linhas pra garantir que os do M7 não iam passar pra lá. Os gatos iam embora e os ratos saiam da porra do bueiro pra retomar a merda de onde ela tinha parado.
Tava ali no meu esconderijo no final da Cachopa, esperando o lugar onde eu tava ser desocupado. Eles tavam num ritmo lento, mas eu tava ligado como tava. Pelo rádio, os olheiros passavam tudo. Com o celular na mão, eu ia escutando os áudios que a Nina tinha me mandado mais cedo de novo, pela milésima vez. Aquela diaba tinha conseguido pegar aquela porra de algum jeito e tinha decidido que não ia me paz...
Irmão, tudo o que ela fazia me afetava. De um jeito ou de outro, eu não conseguia ficar neutro com ela. Porra, eu tinha me sentindo num limbo ouvindo o áudio que ela me pedia desculpa. Marrenta do jeito que ela era, eu não achei que ela fosse reconhecer que tinha feito merda... mas ela tinha. Eu ainda tava puto, porque a sensação que eu tinha é que ela não confiava em mim, mas eu não conseguia não perdoar ela também. Era uma corda bamba do caralho. A verdade é que ela tinha me tirado todas as minhas armas, quando falou que me amava com voz de choro. Agora eu só conseguia imaginar ela lá dentro daquela casa, sozinha.
O áudio seguinte, porém, era o que me colocava na ponta da faca de verdade. Ela tinha conseguido o acordo que queria com o pai dela, mas e ai? Era um tiro no escuro confiar num filha da puta que até então era aliado do Misael. Pelo menos pra mim não era questão de confiar nas coisas que a Nina tá dizendo, mas sim no Mandarim. Ele podia ter usado ela pra quebrar as nossas pernas e facilitar o trabalho dele... A gente não tinha como saber, a Marina podia só estar sendo inocente. De qualquer maneira, ela estava muito confiante de que aquilo era o que a gente devia fazer. Ficava ai a questão: eu devia embarcar na loucura dela e confiar em alguém que não confiava em mim? Era arriscado pra caralho, mas mais arriscado ainda era ficar ali e esperar. Ele ia vir e se juntar com o M7, ai... ai acabou. Eu não sabia o que fazer, namoral mesmo.
De qualquer jeito, só de ficar ouvindo a voz dela naqueles áudios me deixava tentado à só ir e fazer do jeito que ela queria. O primeiro tiro foi ouvido e vários outros seguiram ele. Então tava acontecendo... Pelo rádio, fiquei sabendo que tava tudo limpo até quase a Barcelos. Tava na hora de decidir o que a gente ia fazer. Por um segundo, eu abri mão da porra da segurança da minha mente e deixei as coisas na emoção da Marina. Peguei meu fuzil e saí daquele cativeiro que eu tinha passado os últimos dias, vendo os últimos raios de sol daquele dia. Depois, dobrei a esquina, indo na direção da casa onde ela tava.
Andei meio camuflado nos becos até o lugar, rápido, com a minha arma na mão e na atividade. No ritmo rápido de caminhava que eu tava, cheguei rápido até. Bati duas vezes na janela coberta por uma cortina grossa e encardida. Não demorou até ela aparecer pelo meio daqueles panos. Marina me olhou surpresa, suspirando com o que me pareceu alívio, pra depois sorrir um sorriso triste.
Forcei a maçaneta só pra ter certeza de que tava realmente trancada. Eu não fazia ideia de quem tava com a chave daquela porra, então voltei pra janela.
— Cadê a chave? — Perguntei e ela não conseguiu me ouvir direito por causa do vidro. — Chave. — Apontei pra porta. — Cadê? — Repeti em um tom muito mais alto. Ela apontou pra casa da frente e eu me virei, notando um moleque ali meio distraído, que não tinha exatamente me notado até agora pouco.
— Segura ai. — Dei as costas e fui bater na porta da casa da frente. A mãe do garoto me deixou subir na laje pra bater um papo com ele. Assim que eu cheguei lá, ele já tava todo escaldado com o celular na mão.
— Po, chefe, desculpa ai, eu não sei como ela conseguiu pegar o celular. Po, desculpa ai. — Ele repetiu, nervoso, e eu estranhei.
— Se tu sabia que ela tava com o celular, porque não foi lá tomar, filho? — Perguntei, meio desconfiado do estado defensivo dele. — Me passa a chave da casa ai, vai.
— Eu não sabia não, senhor. — Ele disse, dando o chaveiro que tava no bolso dele na minha mão.
— E quem te contou isso?
— O chefe ligou aqui pra falar, po, que ela tava falando com o irmão dela no telefone. O zap dela tava dando online também... — Disse, de cabeça baixa.
— Quem? — Insisti. — Fala o nome.
— O Peralta, senhor.
Neguei com a cabeça bufando que nem um touro. Tava feita a merda. Enquanto eu falava pro moleque ficar de boa e na dele ali, entrar pra dentro de casa e não sair mais, eu vi o filho da puta apontar no início do beco.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...