Paramos na primeira esquina, a que subia pra Cachopa, pra se recuperar. Parei no muro respirando, tentando me desvincular do barulho dos tiros que ecoavam atrás de mim. Alguns rasantes passavam do nosso lado, ouvíamos o barulho deles rompendo os tijolos. Que caos, puta que pariu. Passei a mão na testa, fechando os olhos por alguns segundos. Depois, bati as mãos no meu corpo, procurando algum sinal de dor que a adrenalina tivesse camuflado.
— Tá bem? — Perguntou o Barbás, que parecia como novo muito mais rápido que eu. — Tá começando só ainda, Nina.
— Por quê? Eu já pareço na merda? — Questionei, na defensiva.
— Responde minha pergunta. — Rebateu, negando com a cabeça.
— Tô bem, po. — Confirmei.
Russo apareceu na rua com o fuzil na mão, trocando tiro. Ele parou na nossa esquina e desceu a arma, olhou pra gente.
— Boa, irmão. — Ele sorriu, segurando meu queixo e fazendo um sinal pro Barbás depois.
— Faz os caras recuarem ai, tem que estabilizar isso aqui. — William falou pra ele. — Tem que descer pra Vila todo mundo que der.
— Falou. — Meu irmão confirmou, olhando ali de novo. — Os amigo tão voltando já, bora só segurar pros caras não virem pra cima da gente, vem. — Chamou a gente, saindo da esquina com o fuzil na mão. Barbás e eu saímos em seguida, com a arma empunhada e atirando em tivesse na linha. Eu fiquei com os que estavam no topo dos prédios, eles tavam puta expostos, apesar de estarem numa boa posição. Simples...
Ali, era sempre simples na prática. Levanta teu bico, mira, atira, simples. O que pegava era todo o resto mesmo... Estar ali, trocando tiro, te deixava meio paranoico da cabeça. O teu corpo te dava a sensação de que tu tinha que defender sua própria vida, trazendo uma primitividade esquisita. Seus pensamentos ficavam em segundo plano, era tudo sentido e instintos. Você ouvia, reagia. Você via e só reagia. Você sentia...
Com os dedos gelados, o gatilho era pressionado várias vezes, os sons eram arrepiantes. Tiro, muito tiro, um por cima do outro. De onde vinha todos eles? Vinha dos meus inimigos? Ou era dos meus amigos? Eram meus? Até a noção de espaço ficava meio comprometida, era intenso, te provocava o pânico e a euforia. Estar sempre numa sensação de perigo, de quase morte, era sufocante.
Lentamente, todo mundo começou a recuar vários passos, enquanto os do lado de lá não nos seguiram. Retrocedemos até o limite que separava as saídas das ruas Cachopa e Dioneia. Cada um do seu lado, tomando posição e esperando... O barulho cessou, acabou o conflito. Do mesmo jeito repentino que tinha se iniciado, tinha se encerrado. Ao menos por enquanto.
Fiquei um tempo a mais com a arma erguida e apoiada no ombro, olhando pro outro lado da Estrada da Gávea... observando a linha invisível que separava ela em duas.
— Tá de boa já, Nina. — Wallace falou, colocando uma mão no meu ombro. Eu pulei no lugar, olhando ele com os olhos arregalados por um segundo.
Pisquei, deixando a arma pender pelo meu corpo e levando as mãos ao rosto pra esfregá-lo. Barbás me olhou de canto, eu reparei, mas não falou nada. Talvez eu tivesse ficado meio avoada depois da entocada que a gente levou no beco, se pá era à isso que ele tava se referindo quando perguntou se eu tava bem. Me virei e acompanhei os dois, que iam descendo pela rua.
— Agora é juntar todo mundo lá em baixo e esperar o Mandarim chegar. 80 homem e bico, Russo. — Barbás contou, alcançando um lugar onde as motos do pessoal estavam paradas.
— 80 bico é coisa, hein?! — Ele comemorou a notícia. — Misael vai aguentar não, tava tomando sufoco pra gente só.
— Só. — O outro concordou. Um dos homens do meu irmão cedeu a moto dele pro Barbás ir, eu subi na garupa dele em silêncio. Todos nós descemos a principal e o grupo se dividiu na curva do S. A gente seguiu reto pela Vila, demos a volta e voltamos pra Estrada, parando no limite da Barcelos. Por um acaso, dali eu conseguia ver a rua onde ficava a boca onde eu tinha passado tantos meses da minha vida. Nas últimas semanas tava foda de ir lá, já que quase todo o nosso contingente de gente tinha sido mandado pra defender a parte baixa. Ali, no final da União, que antes sempre estava cheia de gente entrando e saíndo dos depósitos, vindo comer o lanche da tarde comigo, agora parecia cinza e morta. O tempo tinha fechado pra nós mesmo... e isso nada tinha a ver com o clima.
Fiquei ali, parada num ponto alto e olhando para a entrada. Barbás e Russo conversavam sobre estratégias pra facilitar a infiltração na parte alta, quando o Parma chegou. Eu não fiquei alheia a presença dele, mas no lugar onde eu estava sentada, eu fiquei. Fiquei curiosa pra ver como ele ia falar com os outros, mas tudo pareceu correr na mais perfeita paz. Como se nada tivesse acontecido... certamente nada tinha mudado.
— Tudo certo, irmão? — O Barbás quis saber.
— Por mim tá tranquilão, meu parceiro. — Confirmou, apertando a mão dele e virando o olhar pra mim. — E ai, Índia? Espero que tu não tenha levado nada pro coração, é que é foda...
— Tô ligada. — Cortei ele, sem muito saco pra papinho. — Tá de boa, por mim. E o pessoal do Peralta? — Perguntei, não entendendo o motivo pelo qual os outros não tinham dito nada até agora.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...