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— Eu vou ter que arriscar. — Rebati na mesma hora. — Eu vou arriscar.

— Pelo amor de Deus. — Ela falou, fechando os olhos. No rosto a expressão de derrota. — Você e o teu pai terem se separado, pra que tu pudesse ter uma vida honesta e sem risco ou sujeira do crime, não adiantou de nada. Você só tem vento na cabeça, Marina.

— Acontece, mãe. A vida é desse jeito ai, imprevisível... Mas se tu quer saber, eu vou assumir o nome que ele me deu. Já tá mais que na hora de eu escolher um vulgo mesmo. Eu vou ser Índia. Quase todos os seguranças do Caburé já me chamavam desse jeito mesmo. Tomara o Carlos... — Falei o nome que ela tinha dito anteriormente. O nome do meu pai. — fique orgulhoso de mim. — Falei, levantando e oferecendo a mão pra ajudar ela a levantar. Peguei a canga sob o olhar desapontado dela e fui na frente todo o caminho de volta pra orla.

Em silêncio, ela chamou um Uber pra favela de novo e eu fiz questão de pagar eu mesmo. Na entrada da favela, a gente se olhou por vários minutos a fio, sem saber o que dizer.

— Eu tenho que ralar. Vai pra casa e descansa, eu vou ficar de boa. — Garanti, apertando a mão dela. Eu não quis correr o risco de tentar abraçar ela e ser rechaçada.

— Tomara, minha filha. Que Deus te proteja e que Nossa Senhora te acompanhe. — Eu sentia a dor dela, a preocupação e o sofrimento. Eu ia me odiar pro resto dos meus dias por fazer minha mãe sofrer, mas não tinha mais nada a ser feito. Que Deus me protegesse...

Botei ela num mototáxi, que subiu pra casa dela. E fiquei ali, andando em círculos e tentando me recompor pra poder voltar pro meu dever, mas não era fácil. Aquilo mudava toda a percepção de verdade que eu tinha, mudava tudo o que eu achava que sabia. Caburé não era meu amigo, ele tava me usando. Meu pai (eu tinha um pai, olha só!) tinha comprado o cara que eu mais detestava pra impedir o Caburé de fazer merda comigo e com a minha mãe. Na real, eu não conseguia acreditar nas puras intenções dele... cara, ele sentia responsável pela gente, se morrêssemos, isso ia cair na conta dele e a sua consciência ia o perturbar pra sempre. Por isso ele agiu, mas de qualquer maneira, ele não ia entregar as favelas dele por nós. Se pá ele era mais parecido comigo do que eu imaginava: determinado.

Aquele fato, porém, botava a minha vida em risco de qualquer maneira. Agora eu não era mais inocente naquela história, mas tinha virado guardiã daquele segredo que podia me matar. Eu não podia contar aquilo pra ninguém, por mais que eu quisesse muito... ao menos não agora. Quando as coisas se estabelecessem com o Misael, talvez eu tivesse liberdade pra contar pros meus amigos sobre minha origem e rezar para ele entenderem.

Uma coisa era certa. Naquela hora crítica eu não podia falar nada, Carlos ia ficar cimentado na minha mente até que fosse seguro falar. Toda aquela incerteza fez o meu coração arder dolorosamente no peito. E o William... Ele ia entender? Eu queria ver ele, queria ficar perto dele e me sentir segura de novo. Porra, eu tinha me apaixonado perdidamente por aquele filho da puta. Se ele não aceitasse, como eu ia viver sem ele? Era uma porra a situação que eu tava.

Peguei o celular e disquei o número dele.

— Barbás, onde vocês tão? Já acabou a reunião ai? — Perguntei.

— Acabou de acabar. Eu que te pergunto onde você tá. Porra, Nina, tá doida de não vir? O M7 já é pegado contigo, tu quer muito se foder, não é possível. — Brigou.

— Tá de boa, eu tenho certeza que ele nem sentiu minha falta. Tem muito homem ai e eu sou nada na visão dele, eu sei que ele acha que eu sou frouxa e não presto pra nada. O cuzão falou isso na minha cara.

— É, mas não é hora de ficar dando um mole desses. — Me cortou. Se ele ao menos soubesse...

— Agora já foi. Pra onde é pra eu ir agora? — Perguntei.

— Passa na minha casa e pega tuas armas. O fuzil tá na sala, a pistola ficou no meu quarto. Depois vem pra boca. Vamo abrir hoje. — Falou e eu reconheci o desgosto na voz dele. Eu tava ficando boa em pegar os detalhes e reconhecer os sentimentos do Barbás, já que ele naturalmente se expressava muito pouco. Aquele homem era um poço de mistério e frieza, que aos poucos eu ia conseguindo desvendar.

— Tá bom... — Falei e ele desligou o telefone sem se despedir. Grosso! Ele tava começando a ser mais gentil comigo, ao menos mais do que era antes, mas aquele jeito insensível dele não sumia nunca.

Fiz o que ele mandou. Peguei um mototáxi até a casa dele, me armei de novo e depois, peguei outro até a boca da Barcelos. Cheguei rápido até e lá as coisas pareciam exatamente iguais. Shirley já tava com a droga na venda da frente, passando ela pra uns clientes e rabiscando o caderno com rapidez. O TK tava na frente do portão passando ordem pros seguranças daquela parte da favela, que a gente tomava conta. No segundo andar da casa, da janela da sala dele, Barbás estava pendurado na janela, fiscalizando tudo e fumando um cigarro enorme. Eu tinha quase certeza que era um charuto, não tinha certeza, até porque eu não gostava muito daqueles trecos. Ele tava pensativo... pensativo até demais. A testa levemente franzida me dizia muito sobre o quanto ele tava preocupado. Alguma coisa ali tinha.

Uns segundos depois ele me notou e a sua expressão suavizou. Ele me chamou com a mão e saiu da janela, enquanto eu entrava pra dentro da casa e subia as escadas direto. Eu só esperava que o Misael não tivesse fazendo merda agora que ele era o frente da favela, caso contrário, eu ia me sentir puta culpada.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora