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Desliguei o celular, sentindo um frenesi correr pelas minhas veias. Olhei pro soldado que tava comigo e ele me entendeu.

— Acho que minha família tá do lado deles da favela... O Largo não tá inteiro dominado pela gente? — Perguntei na hora.

— Tá quase todo, eu acho. Só a parte perto da Roupa que tá com eles lá. — E era praticamente lá onde ficava a minha casa. Inferno... Foi por isso que não deixaram tomar a Roupa.

— Eu preciso que alguém me renda aqui. — Disse, passando a mão nos olhos. Peguei o celular e liguei pro Russo na hora. Ele atendeu, com a voz meio sonolenta, e eu expliquei que precisava sair dali. Meu irmão prometeu mandar alguém pra ficar no meu lugar, enquanto isso, era pra eu ir me adiantando, já que era tão urgente. Eu nunca fui tão grata ao Wallace como naquele momento. — Vai vir alguém ficar no meu lugar já. Bate o olho na minha esquina também, por favor, tá? — Falei pro outro, passando o corpo do fuzil pras minhas costas e descendo a rua apressada em seguida.

Eu não sabia a quem eu devia pedir ajuda imediatamente. Sabia que precisava fazer alguma coisa... mas não sabia bem o que a gente podia fazer naquela hora. Mandei uma mensagem rápida pro meu irmão explicando tudo e outra pra Dalila pedindo pra acordar ele, caso ele tivesse voltado a dormir. Depois, fui reto pra casa do Barbás, esperando encontrar ele lá. Ele ia precisar da minha ajuda e, agora, eu ia precisar da dele também. Duas cabeças pensam melhor que uma, e a dele, de certo, pensava melhor que a minha. Minha mente não trabalhava direito na base da pressão e do desespero, ele ia ter que quebrar essa pra mim. Peguei um mototáxi pra lá e usei a chave pra entrar em casa. Dois meninos armados continuavam ali na frente, os mesmo de mais cedo.

A casa ainda continuava destruida, igualzinha na madrugada. Subi as escadas correndo e entrei no quarto com tudo. Eu nem me dei conta do que eu tava fazendo, eu só precisava falar com o Barbás. Will, que tava tentado na cama, olhando um pedaço de papel distraidamente, se assustou com a entrada brusca e passou a mão na pistola mais rápido do que eu consegui captar com meus olhos. É quase como se ele tivesse esperando por gente caindo em cima da cabeça dele, pronta pra passar fogo nele.

Dei um gritinho de susto, quando ele levantou rápido e com a pistola apontada pra minha cabeça. Levantei as mãos no automático e prendi a respiração, arregalando os olhos. Ele manteve a arma apontada pra mim por alguns segundos, me analisando. Depois, veio pro meu lado e checou se não tinha ninguém atrás de mim, antes de me puxar pra dentro e fechar a porta de novo.

— Comeu merda, Nina? Como que tu entra aqui assim? — Brigou, abaixando a pistola e jogando ela em cima da cama de novo. — É num susto desses que eu dou um tiro em você sem querer, porra. Tá maluca?

— Ai, William. — Choraminguei. — Desculpa, mas é puta urgente. Muito urgente mesmo.

— Fala de uma vez. — Respondeu por cima de mim, vendo o estado de nervoso que tava.

— O Misael tá com meus irmãos e minha mãe. Ela é a nossa ponte com o PPG. — Falei rápido e ele teve a mesma reação que eu. Levou as mãos à cabeça e xingou.

— Onde eles tão? — Quis saber.

— Na casa da minha mãe. Naquele mesmo lugar onde tu me encontrou.

— Ali no Largo?

— É, mas mais pra dentro. — Expliquei, tentando gesticular. — Lá na parte deles.

— Caralho... — Ele disse, com a mão na boca, enquanto andava pelo quarto.

— Eles ainda tão lá, mas o Misael pode querer tirar eles de lá há qualquer momento. Se ele conseguir levar eles pra cima do morro, fodeu.

— Isso é ruim pra caralho, Nina... — Disse, olhando pra mim ao final.

— É e eles são minha família também. Eu preciso da sua ajuda pra salvar eles. — Falei, apertando uma mão nas outras. — E tem que ser agora, porque se o Misael tirar eles de lá, pode ser que eu nunca mais veja nenhum deles. Eu não sei o que aquele filho da puta psicopata pode fazer.

Ele não falou nada, mas continuou andado pelo quarto. Barbás fazia muito isso quando estava bolando alguma coisa na cabeça. Por ele ter ficado em silêncio, a agonia me comeu por dentro.

— Barbás! — Chamei, enfiando as unhas na palmas da minha mão.

— Calma, porra. — Ele falou, alto. — A gente vai tirar sua família de lá, calma. — Completou com um tom mais ameno, levando as duas mãos nas laterais do meu rosto.

— Como? — Insisti.

— Não sei, mas eu vou dar um jeito. — Falou, se afastando.

— Não dá pra gente só reunir uma tropa e entrar lá?

— Não é assim que as coisas rolam aqui não, Nina. Ele deve ter protegido bem o lugar ali. — Disse, se apoiando na madeira de sustentação da cama. — Entrar lá desse jeito vai matar muita gente nossa e nós não tá podendo perder soldado assim.

— Eu sei, mas a gente não pode deixar eles lá na mão do M7. — Disse. — Eu não vou deixar ele matar meus irmãos.

Ele concordou com a cabeça e pegou o celular, ligando pro Parma. Eu fiquei de longe, só observando e tentando manter aquele desespero só dentro de mim. Agora não era hora de agir com a emoção, todos os meus passos estavam marcados. Fui pra varanda, já que tava me sentindo enclausurada ali dentro. Sentei lá fora por uns minutos e respirei, fiz uma prece pelos meus irmãos, que era inocentes naquela história e me senti puta miserável. Eu e minha mãe, que éramos quem devia proteger os meninos, tínhamos colocado eles naquela situação.

Quando voltei pro cômodo, o Barbás tava sentando na cama e continuava no telefone. Falava com o Russo agora e parecia desgostoso...

— O que houve?

— O Parma não vai se meter, o Peralta tá com os problemas dele pra lá. Somos só eu e teu irmão. — Avisou, passando a mão no rosto. — Vamo precisar levar a nossa tropa quase toda.

— E se a gente perder nossa tropa? — Perguntei, já sabendo que não ir gostar da resposta.

— Ai é bom a gente morrer com eles. — Falou, já se levantando e indo atender o celular que tocava. O Russo de novo. Eu senti o meu coração apertar no peito com a declaração. Foda era conviver com a morte, lado a lado, todos os dias. — Vai pra casa e bota tua cabeça no lugar, Nina. Arruma tuas armas, que eu vou reunir um pessoal. A gente se encontra daqui há uma hora lá no largo. — Mandou, vindo até mim e beijo na minha testa.

Ele saiu muito rápido do meu campo de visão e um tempo depois, eu ouvi o ronco da sua moto.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora