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Fiquei ali, andando de uma lado pro outro, lutando pra manter a expressão de serenidade. Tudo ali pareceu uma eternidade, todos os longos minutos que se passaram, era uma santa tortura. E demorou... demorou pra caramba. A ponto de eu começar a me perguntar se era normal assim mesmo. No início eu imaginei que fosse só minha imaginação, a ansiedade que estava distorcendo minha noção de tempo, mas depois, eu notei que realmente, eram muitos minutos ali sozinha. Quando eles voltaram, eu já estava começando a roar as unhas.


Olhei pros homens que voltaram e eram os mesmos que estavam no carro comigo. Nenhum sinal do Carlos... Eu murchei por um segundo quando notei que ele não estava ali.

— Senta ai. — Mandou o Pirraça, apontando pra uma cadeira, na qual eu desconfortavelmente me acomodei. Ele sentou de frente pra mim e outros se espalharam pelos cantos do lugar, todos ainda me olhando.

— Onde tá o seu chefe? — Murmurei, assumindo a postura altiva de novo.

— Onde tá o seu chefe? — Rebatei, repetindo a minha pergunta com ênfase no "seu".

— Tá na Rocinha, trocando tiro sozinho numa treta que vocês tem parte da culpa de existir. — Falei, ciente da ambiguidade de significados. Ele podia acreditar que era do Misael que eu tava falando, eu tinha mil jeitos de explicar o que eu tinha dito colocando o M7 como o mocinho. Felizmente, só eu sabia que não era bem daquele corno que eu tava falando.

Ele riu e eu sorri pra ele com todo o deboche que eu tinha acumulado em mim.

— Onde tá o seu chefe? — Insisti naquela questão.

— Quer sair pra procurar por ele? — Ofereceu, ainda rindo.

Engoli em seco e a graça fingida se desfez em segundo. O olhei com muita seriedade.

— Quanto tempo mais vou ter que esperar, amigo? — Perguntei um tempo depois, desconfiando de que eu estava sendo enrolada ali. Não é possível aquilo, cara... Eu só não sabia se eles desconfiavam de alguma coisa ou se só estavam sendo machistas. A real é que o corre não era lá o lugar onde mulheres cresciam pelas próprias pernas com tanta facilidade, nem o melhor exemplo de respeito. Homens quase nunca viam as minas de igual pra igual, até por isso tinham tão poucas carregando um bico longo por ai.

— Relaxa ai, tu tá com tempo. — Afirmou, muito certo do que falava.

— Quem disse?!

— Eu disse. — Ele levantou e se inclinou sobre a cadeira que eu tava. — Aliás, se eu fosse tu, eu tirava até um cochilo ai.

— Cochilo?

— É, po. — Ele riu de novo. No segundo seguinte, alguém me segurou por trás, pressionando um negócio no meu nariz e boca. Era um cheiro forte pra caralho, fazia minha cara inteira queimar e me deixava toda mole. Não demorou nem 5 segundos pra eu ver tudo ficar preto.

[...]


Uma sensação pavorosa de enxaqueca foi o que acordou. A parte de trás da minha cabeça doía muito, era como se eu tivesse caído e batido ela com força no chão. Me remexi, sentindo a ardência me incomodar toda vez que eu puxava o ar pelo nariz. Um aperto no meu pulso foi a próxima coisa que eu percebi. Abri os olhos o mínimo possível para conseguir ver o pano branco (parecia uma camisa) amarrada fortemente aos meus dois pulos. Chegava a machucar tamanha a pressão daquele treco na minha pele.

Pisquei algumas várias vezes, tentando ajustar a visão à luz amarelada de uma única lâmpada no centro do teto. Era um lugar bem precário. Tijolo nu, chão de barro batido, fiação à vista e sem nenhum móvel. Tossi pelo arranhar na garganta e usei meus punhos pra conseguir sentar. O cabelo estava caindo nos meus olhos, mas eu não tinha como tirar. Me concentrei pra respirar, o que tava sendo uma tarefa meio foda. Foco, foco, eu repetia na minha mente. No meio da dor, é complicado de pensar direito. Eu sabia o que eu tinha que fazer, sabia... Eu tinha que saber. Era difícil focar num objetivo, se a minha cabeça parecia que ia explodir a qualquer momento.

Perdi a noção do tempo legal. Não conseguia saber se ainda era dia, se já era noite, ou quanto tempo eu fiquei apagada. Meu mundo ainda girava pra caralho, quando o homem que veio me acompanhar voltou, olhando pra mim da porta.

— Acordou a princesa? — Perguntou, vindo a passos lentos na minha direção. Fechei os olhos, tentando me fazer voltar pra terra. — Dormiu bem? — Ele se abaixou na minha frente, passando a mão na minha testa pra tirar o cabelo do frente. — Tomara que as acomodações daqui tenham te deixado feliz, nós é humilde, mas trata bem o convidado, tá ligado?

Não falei nada, não sabia nem se eu ia conseguir fazer minha voz sair do jeito que ardia a minha garganta. Preferi só ficar em silêncio.

— Tem nada pra dizer não? — O sorriso no rosto dele tava me dando nos nervos. Puta que pariu. — Então vamo fazer assim? Vou te dar um desconto, porque mulher bonita é meu fraco, sabe como é? — E tirou um celular do bolso, indo no contato com nome 'M7' e colocando na minha mão. — Se tu ligar pro teu chefe e trocar uma ideia com ele, eu te deixo ir pra casa. Tranquilo? — Ele apertou o verde e colocou o telefone no viva voz. — Se você não falar nada... vou te levar pra conhecer um churrasquinho maneiro pra caralho lá em cima. A gente assa uns boi, umas vaca lá e tudo.

Eu vi a intenção nos olhos dele. Não me acovardei nem por um segundo, ia ser um prazer xingar a putinha do Misael naqueles que podiam ser os meus últimos momentos. Mesmo assim, eu não tinha perdido minha esperança ainda. Não tinha colocado na minha cabeça que eu ia morrer aquela noite e me recusava a só aceitar aquela situação. Eu tava no lugar que marcava o X no mapa do tesouro, só precisava cavar pra achar o baú. O problema é: como se cava com as mãos amarradas?

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora