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— Vai embora, irmão. Já pedi desculpas, segue o teu rumo. — Disse. — Tu não ganha nada me matando aqui.

Eu tinha certeza que ele ia continuar ali pra, pelo menos, me humilhar pra caralho antes de ir embora. Acontece que eu via o conflito na cara dele, já devia ser mais de 8h e ele tinha que estar em um outro lugar agora. Ele sabia disso... e eu sabia também.

— Vagabunda — Ele me deu um empurrão e se virou pra ir embora. Na hora que ele me deu as costas, eu tirei o revólver da cintura e mirei na cabeça dele. Apertando duas vezes o gatilho.

— Vagabunda quem, seu merdinha? — Perguntei, virando ele com o pé, assim que ele caiu no chão. — Amigo, mete o pé. Volta pra favela e fica na tua, tá tudo certo entre a gente, só fica na tua que vai ficar tudo bem, beleza? — Falei pro mototaxista e fiz sinal pra ele vazar com a mão.

Ele arregalou os olhos e saiu como se não houvesse amanhã. Peguei o capacete da mão do morto e coloquei na minha cabeça, correndo pra pegar o celular e a carteira no bolso dele. Aproveitei pra desbloquear o celular dele com a digital da mão e coloquei num aplicativo lá qualquer pra não deixar travar. Depois, fui pra moto, subi nela e virei a chave na ignição, metendo o pé dali. O .38 não fazia lá muito barulho por disparo, mesmo que não tivesse de silenciador. Ainda assim, era melhor eu sumir daqui o mais rápido possível.

Acelerei pra longe dali, seguindo a rua que beirava a favela até o final e entrando na última entrada que eu consegui ver. Parei a moto e sentei numa padaria ali alguns metros pra dentro, pedindo um café pra não dar muita bandeira. Assim como vários outros moradores, sentei numa mesa mais pra dentro do estabelecimento e comecei a vasculhar a carteira do morto. Só tinha dinheiro, foto de criança e uma cópia de uma identidade claramente modificada no computador. O nome, porém, era tudo o que eu queria saber. Edson... Ai eu fui pro celular e tirei o bloqueio de inicio, quando eu ia começar a investigar as conversas dele, o negócio começou a vibrar na minha mão. No visor, o nome Pirraça apareceu. Engoli em seco e coloquei no ouvido, atendendo.

— Coé, meu irmão, tá achando que vamo te esperar aqui quanto tempo ainda? A gente não tinha marcado 8h nessa porra? Cadê você? — Ouvi uma voz agressiva falar do outro lado da linha. Fechei os olhos e limpei a garganta, antes de responder.

— O Edson não pode ir, ele me mandou no lugar. E eu já tô aqui. — Falei.

— Quem é tu, porra? Por que tu tá com o celular do cara?

— Eu sou a mulher dele e tô aqui pelo M7 também. Vou tratar o assunto dele, no lugar do meu marido que ficou agarrado pela polícia. Não é isso o que tem pra fazer aqui? — Rebati.

— Fiquei sabendo disso não, mas beleza. — Ele assentiu e não falou nada por um tempo.

— Tô te contando agora. — Disse no mesmo tom dele.

— E onde tu tá? O patrão não gosta de desvio no caminho não, hein?! Cês tão avisado já. Depois tu explica essa porra ai pra ele.

— Eu sai um pouco da rota e entrei no lugar errado. Sabe como é, né? Nunca vim nesse lugar. Tô numa padaria aqui, chama como mesmo, moço? — Perguntei ao balconista. — Padaria do Seu Tião.

— Puta que pariu, tão do outro lado da favela lá. Tinha que ser mulher nessa porra. — E desligou na minha cara.

— Porco do caralho. — Reclamei, jogando o celular em cima da mesa. Dei um jeito de discretamente jogar a carteira dele no valão que passava do outro lado da padaria. Ali eu esperei que viessem me buscar...

Muita coisa passou pela minha cabeça naquele tempo que eu fiquei ali. Era um inferno, tava me dando até taquicardia a ansiedade. Ok, eu tinha chegado até ali, mas e depois? A lógica do 'futuro à Deus pertence' não me parecia mais tão atrativa agora... De qualquer forma, até ali eu tinha chegado só no improviso. Eu podia criar mil planos, como o Barbás adorava fazer, e entalhar detalhes em todos eles. De nada ia adiantar, a vida amava me passar a pernada. Então, eu só pulava no rio e deixava a correnteza me levar. Se eu tivesse sorte, ia poder usar minha energia pra nadar até a praia do deságue quando chegasse a hora.

A verdade é que uns nasceram pra ir contra o destino, eu não... eu era uma oportunista de primeira.

— Tu que é a mulher do Edson? — Perguntou um homem que chegou por trás de mim do mais absoluto nada. Só concordei com a cabeça. — Bora, então. Deixa tua moto ai e vem. — Mandou, abrindo a porta de um carro pra mim.

Eu dei a volta e entrei sem falar uma palavra no banco traseiro. Ele entrou depois de mim e deu um saco de pano na minha mão.

— Que isso? — Perguntei, desconfiava. Eu já sabia bem ele queria que eu fizesse com aquilo, mas mesmo assim, eu me fiz de desentendida. Eu realmente não queria perder minha visão num momento daquele.

— Como assim que isso? É pra botar na cabeça, minha filha. Tu achou que ia entrar aqui e a gente ia te mostrar a favela toda? Ia fazer um tour? — Debochou na maior grosseria. Óbvio que não iam me dar a planta da favela deles, eu ainda era rival. Pro que não tem remédio, remediado está.

— Tsc. — Coloquei o negócio na cabeça e me encostei no banco. Só depois sairam com carro dali. Era foda, porque estar sem poder enxergar me dava uns ataque de pânico do nada. A agonia parecia um monte de soco no meu estômago de uma vez só. Foi uma força tremenda pra continuar plena até a hora que o carro parou de novo, vários minutos depois.

O alívio me varreu inteira, quando tirar aquele treco da minha cara e eu pude ver a luz do dia de novo. Olhei ao redor, notando estar numa rua como qualquer outra em uma favela, exceto que essa parecia muito mais protegida pelos soldados dele que o normal. Ao meu lado, havia uma casa especialmente bonita, rebocada e meio destoante das outras. Foi exatamente pra lá que me levaram.

Subimos até o último andar, para a laje parcialmente aberta do lugar. Apesar de haver um telhado.

— Marca um 10 ai. Tem uns negócio pra comer ali se tu quiser. — Falou e se virou pra ir embora. Na porta, estava um soldado com seu fuzil, me olhando diretamente. Eu até olhei pro café considerável que tinha ali, mas estava completamente sem fome. Na verdade, eu tinha quase certeza que se comesse, no nível de nervoso que tava, ia acabar vomitando.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora