— Eu sei, eu fiquei assim também. — Concordei com a cabeça, sentindo um cansaço opressor me pesar nas costas. Se pá eu devesse parar de foder a noite e pensar em dormir também.
— Porra, a noite a gente conversa isso direito. Eu tenho que sair agora, mas olha... tu vai me contar essa história direito, Nina. Isso ai é uma merda das grandes.
— De boa, eu tava precisando falar sobre isso com alguém mesmo. Sabia que tu não ia me dar um tiro na cara. — Ri e ele negou com a cabeça de novo, não tinha achado graça nenhuma. Se a minha ideia era ter tranquilizado ele, parecia que eu tinha feito bem errado. Pelo menos eu tava sendo sincera. — Vou esperar o mercado abrir e passar lá pra fazer umas compras pros meus irmãos, ai eu vou lá na casa da minha mãe levar. Vou falar com ela.
— Abre teu olho e vê o que tu vai soltar pra tua coroa, hein?! Cara, não faz merda, tu vai matar a gente. — Falou, voltando pra perto de mim.
— É a minha mãe, cara. Eu não vou falar nada de vocês, eu só quero saber o que ela acha da ideia de eu tentar algum contato com ele, o meu pai... — Expliquei. — Ela provavelmente vai me proibir e eu vou deixar por isso mesmo, mas não custa nada tentar.
— Eu já te falei... — O celular dele tocou no bolso e ele precisou de apressar. — Não faz nada até a gente se falar direito. — E saiu.
Ele tinha saído mais transtornado do que quando chegou e eu fiquei imaginando qual ia ser a reação do Barbás. Isso me dava um arrepio bizarro de medo. E se ele não me quisesse mais, tipo, de verdade? Eu sabia que ele era uma cara razoável, mas não sabia o que ele ia tirar disso. Ele era uma cara muito mais calculista que eu, se pá ele soubesse um jeito de eu ser útil naquela nossa situação. A merda é que ninguém podia prever a maneira como ele ia reagir...
Marquei um 10 ali e saí por volta das 7h pra ir no mercado comprar uns mantimentos do mês pros meus irmãos, como vinha fazendo nos últimos tempos. Fui direto pra casa da minha mãe e ela me deixou ficar uns minutinhos com eles. Antes de ir embora, eu disse pra dona Cláudia que queria conhecer o Carlos. Ela só riu e negou com a cabeça, disse que eu era maluca e que era pra tirar aquilo da cabeça. Se eu não fosse envolvida, talvez fosse possível, mas naquele momento eu tava comprometida com o movimento da minha favela e não importava que o Misael fosse "aliado" do meu pai, a Rocinha não era aliada do PPG. Ela fez questão de repetir aquilo pra mim até eu cansar, até eu entender que era uma má ideia me expor daquela maneira.
Eu saí de lá convencida de que eu não devia fazer aquilo, claro que eu tive que levar em consideração as coisas que ela e o Wallace estavam me dizendo. Era real. Mesmo assim, eu tinha que confessar que não tinha esquecido 100% aquela idéia. Talvez eu não pudesse ajudar, mas a curiosidade infantil a respeito do meu próprio pai me sondava... talvez eu tivesse escondendo isso por trás de objetivos inalcançáveis. Talvez...
Eu tava rondada de muitos talvez. O próximo talvez, porém, era um decisivo na minha vida e o seu nome era Barbás. Mais tarde naquele dia, eu cheguei pra trabalhar na boca e passei o resto do dia com o pensamento na sala de cima. Minha mãe tinha razão, ter aquela ligação com o PPG era perigoso pra mim, mas mesmo assim, eu não ia poder esconder aquilo por muito tempo. Eu não confiava no merda do Misael pra manter aquela informação pra ele, que ele não fosse dar com a língua nos dentes... era melhor que o William soubesse por mim do que por outros.[...]
Era cinco da tarde, o nosso dia tava no final. Tava ajudando a Xica a trazer a carga pra dentro de novo, contando cada um dos papelotes que tava ali e conferindo com o caderno junto com ela. Eu quase não tinha visto o Barbás durante o dia. Ele descia pra falar com o TK e subia sem nem dar boa tarde pra gente, eu via na cara dele que tava puto, inquieto. Eu sentia o clima cada dia mais pesado, era uma merda. Nem o Tulio tava muito por perto dele, como sempre ficava, já que além do responsável das armas da boca, ele também era o principal segurança e amigo do William. Eu queria falar com ele... sei lá. Só queria que ele conversasse comigo.
— O que deu no Barbás, TK? — A Xica perguntou, com a cara colada no caderno.
— A gente tá sendo vigiado pelo M7, ele não tá muito de boa com isso não. — Contou e ela levantou a cabeça pra ele. — E tu, Índia? Tá de boa?
— Eu? — Perguntei, engasgando.
— É tua foto que tava lá. Tu tá com medo? — Insistiu. Shirley não sabia sobre aquilo e perguntou na hora do que a gente tava falando, o Tulio calou ela um sinal com a mão.
— Não sei. — Falei, dando de ombros. — Você tá? Com medo, no caso.
Ele riu e fez que 'não' com o dedo. Entre todos nós, o TK parecia sempre o mais tranquilo com tudo aquilo. Ele tinha uma fé inabalável e por trás da cara da mal, existia um coração de ouro. Tulio andava certo sempre.
— Sabe do que eu tenho medo? De guerra. A gente tá na maior paz, po. — Ela fechou o caderno e cruzou os braços. — Meu irmão é soldado, cara. Ele tá na linha de frente, qualquer merda que dê, ele é o primeiro a morrer.
— Nós que é do corre é assim mesmo, Shirley. Tamo aqui pra isso mesmo. — Tulio falou. — Se eu for de golpe, vai vim um novo mais louco ainda. — Cantou, olhando pra ela de canto.
Ela fez que não com a cabeça e deu um tapa no braço dele.
— Vai avisar pro Barbás que terminamos o caderno. Quero ir pra casa logo. — Mandou, claramente chateada com ele. Ela era muito sensível com esse lance, se pá por isso ela nunca tinha realmente pegado numa arma pesada, nunca tinha sido posta na prova. Shirley era uma menina. Eu, depois de todos esses meses, sentia minha sensibilidade se diluindo que nem água. Em 6 meses, eu tinha tomado mais porrada que eu podia imaginar antes.
— Aproveita e avisa que eu tô aqui também, parceiro. — Uma voz esquisita falou da sala e nós três saímos do depósito pra ver quem tava ali. M7 e seus 6 seguranças encheram o espaço dali, ele tinha um sorrisinho no rosto.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...