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— Eu vou. Não preciso de você me chamando de criança pra saber das responsabilidade que eu tenho não, falou? — Respondeu com raiva. — Eu sou mulher com M maiúsculo nessa porra. — Disse com firmeza, estreitando os olhos pra mim. Eu vi que ela tava abalada, mas mesmo assim, a rigidez de quem tava ali pra não tornar a luta fácil pro adversário estava marcada no seu rosto. Era assim que ela tava me vendo, como um adversário dela e isso me deixava fora de mim.

— Bora logo. — Sai andando na frente e eu vi os moleques dando um tranco pra fazer ela andar.


[...]


O caminho de volta pro lugar onde tavam os outros foi tranquilo, até. Eles foram segurando a Nina pelos braços, mas foram discretos até, como se só tivessem segurando nas mãos dela, pra não chamar muito a atenção. Ela resolveu colaborar, então, não tivemos dificuldade de voltar pra dentro da segurança dos becos que nos protegiam.

Voltei pra dentro da antiga casa de endola e quando todo mundo entrou, eu passei a chave na porta de novo e fechei as cortinas que davam pra rua. A Nina olhou com rancor pra todo mundo que tava na sala, se demorando um pouco mais no Russo (que tinha um olhar puta desgostoso) e em mim, que peguei uma cadeira e botei no meio da sala. Bati a mão no encosto e chamei ela com a mão.

— Deixa ela vim sozinha, não precisa ficar segurando ela não. — Mandei pros moleques, que largaram os braços dela. Ela tinha a respiração descompassada, acelerada, começava a deixar uma expressão chorosa transparecer no rosto. Ela veio andando na minha direção muito vagarosamente, me olhando com um sentimento que eu nunca tinha visto antes: medo. Eu mesmo engoli em seco quando ela se sentou na minha frente, de costas pra mim. Eu fiquei sem saber o que fazer dali pra frente. Era fácil apertar maluco que eu não conhecia, ou que só conhecia de vista, de coleguismo. Com a Nina não... eu não sabia o que fazer. Principalmente, porque ela não sabia o que eu ia fazer e por isso os olhos transbordando medo e desconfiança direcionados à mim. Eu fechei os olhos, me escorando na cadeira e passando a mão no rosto muitas vezes. Marina sempre sabia como me desarmar. Sempre!

Um tempo depois, enquanto todos os outros me olhavam de canto, eu dei a volta na cadeira dele e me agachei na frente dela com as mãos juntas na frente do corpo, muito próximo dos joelhos dela, mas sem realmente tocar eles.

— Só conta, Marina. A verdade, pra todo mundo ouvir. — Mandei com uma voz baixa, olhando diretamente nos olhos dela. — Começa por quando e como tu descobriu com a sua família sobre o Mandarim, depois como conseguiu falar com ele e foi lá onde ele ia estar. O que aconteceu lá e como tu voltou aqui de boa.

Ela concordou com a cabeça e eu fiquei no canto da parede, deixando ela olhar para os outros também. Os olhares dela iam de mim para o Russo e depois de volta pra mim, como se fosse pra nós que ela tava contando. Marina demorou um pouco, mas quando começou, não parou mais. Começou com todo o desenrolar dos últimos meses, em como a mãe dela tinha sido mulher do Mandarim há mais de 15 anos e como ela tinha nascido desse "casamento" deles. Foi um choque pros outros dois ouvir que ela era filha do líder do PPG, Parma entendeu e ficou na dele, o Peralta ficou lá fazendo o escândalo que ele gostava de fazer por qualquer porra. Depois, eu e o Russo confirmamos que ela realmente nunca tinha tido proximidade com ele, não tinha tido contato até então e ela falou sobre a proibição da mãe, que mais gente tinha como comprovar. Terminou convencendo os caras, pelo menos em meio termo, que ela nunca teve a menor ideia de quem era o seu pai até recentemente, quando a Cláudia revelou como uma maneira de fazer ela largar o tráfico. Sabia que ela tava ocultando um monte de informações relevante, como sobre o Caburé, mas se eles já tavam satisfeitos com o que ela tinha falado, então já era o suficiente.

Ai passou pra como ela roubou o celular da mãe e se passou por ela pra conseguir o contato da tia e ex-cunhada da mãe e descobrir informações sobre o Mandarim. Foi ali que ela ficou sabendo de uma reunião dele com um dos homens do Misael e foi atrás pra entrar na favela no lugar dele. Era a primeira vez que eu tava escutando aquelas coisas e puta que pariu... Ela fez exatamente a porra da doideira que eu jurei que ela não seria capaz de fazer. Ela tinha ido lá, com a cara limpa e uma história esfarrapada pra caralho, apostando tudo na sorte. Eu fiquei puto de novo por ela ter a porra da coragem de falar na minha cara que quase tinha morrido naquela porra. Eu fui até ela e levantei a blusa e abaixei as alças da blusa, pra mostrar uns pequenos pontos de um roxo amarelado concentrados naquelas áreas. Tinha uns arranhões no braço e no pescoço também. Era uma prova real de que as coisas não tinham sido lá muito fáceis como eles tavam pensando, ilesa ela não tinha saído e provava as coisas que ela dizia. Só me deixava mais bolado.

— E tu fala isso pra mim de boa? Como se não fosse nada? — Interrompi pra perguntar sem me aguentar. — E se tu tivesse morrido, filha da puta? E ai? Como que ia ficar a gente aqui? A tua família?

— Eu não tava pensando em morrer, minha mente tava só no meu objetivo, na minha vitória. — Falou. — Eu só fui falando as coisas que eu tinha conseguido captar da história da minha mãe e deu certo. Eu tava acreditando que ia dar certo, po.

Eu neguei com a cabeça e saí até de perto. Fui pro outro lado da sala pra não perder a linha com ela de novo. Ai ela continuou: tinha apanhado e desmaiado, mas tinha conseguido conhecer o Mandarim antes disso. Quando ela acordou, ele veio e eles conversaram, passaram o resto do tempo junto catando tatu no mato e por fim, ela conseguiu falar do M7 e da Rocinha. Ficou sabendo das desavenças que ele tinham tido desde o início do acordo que eles firmaram quando o Misael tomou a favela (que eu desconfiei ser a tentativa de sequestro da mãe dela) e que aquilo tinha deixado as coisas meio abaladas. Ela investiu nessa fraqueza e conseguiu convencer ele a trocar de lado se conseguíssemos assumir os mesmos termos do acordo que ele tinha com a Rua 1. E veio a porra do tiro dos 20%.

No final das coisas que ela contou, do meio pra lá os dois tinham digerido, do meio pra cá...

— Índia, porque ele ia virar pro nosso lado? Que porra de motivo ele tem? Difícil acreditar que o cara só vai jogar a palavra dele no lixo pra ajudar a mina que ele só conheceu agora.

— Não é só por mim, não é porque eu pedi encarecidamente pra ele. — Ela negou com a cabeça. — Se fosse por mim, ele nem ia cobrar nada de vocês. É por interesse financeiro, todo mundo quer que a Rocinha se estabilize, sabe qual é? Só que o Misael foi quem jogou a palavra no lixo primeiro. Um dos termos do acordo, foi ele não mexer com a família que ele tinha aqui na favela e o que o M7 fez? Tentou sequestrar minha mãe e meus irmãos pra forçar ele à renegociar e ajudar ele. Até por isso eu quis ir até ele, porra, ele não podia dar apoio pra um cara que tinha ameaçado a nossa família. Isso é só um dos bagulhos que balançou a relação deles, teve mais coisa que ele não quis comentar. É uma solução simples, ele ajuda a gente e eu vou garantir a segurança dos meus familiares, vocês aceitam a quantia que ele quer e pronto, fica tudo as mesma. — Explicou. — Até porque o M7 não teve nem a capacidade de manter a favela unida por um ano, por que alguém ia querer continuar com ele, porra?

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora