[NINA]
Guerra. Aquela que fazia os homens descerem ao ponto mais baixo da sua moral. Honra era papo furado. Código de conduta era combustível pra fogueira, era lenha pra manter a chama acesa. Tudo o que importava no final do dia era vencer... era matar os seus inimigos, subir os degraus da hierarquia... ganhar. Quando a sua própria vida entrava na jogada, a lealdade era uma lenda de contos de fadas. Ninguém era amigo de ninguém, nem cúmplice ou companheiro. No momento em que você tinha uma pistola apontada na sua cara, era cada um por si e Deus por todos. Agora eu sabia disso, depois de ter aguentado todas as traições e facadas nas costas, no final do dia, só havia eu... e ele. Ele estava ali por mim. Eu não sabia o que seria da gente dali pra frente, mas o que importava é que estava ali.
Eu estava acabada. Fazia meses que não conseguia dormir direito, vivendo constantemente com o medo de ser pega, com o medo de falhar. Nós estavamos em guerra contra o mundo. Agora eu sabia que não era só contra o Misael ou o meu pai, até entre contra os nossos próprios aliados, nós estávamos em guerra.
Me joguei no chão num movimento muito rápido, assim que eu vi ele esticar a arma pra mim. Assim, a primeira bala que ele atirou contra mim pegou meu braço só de raspão... é... eu tinha mesmo muita sorte, um segundo a menos e aquilo ia ter me pegado legal. Há meses eu estava escapando por entre os dedos da morte, eu não sabia até quando ia durar essa onda de bonança na minha vida. Os estilhaços do vidro da janela cairam sobre mim, abrindo pequenos cortes na minha pele em vários pontos quando eu tentei me levantar sobre eles. Um zumbido subiu nos meus ouvidos e o meu coração pulou uma batida quando eu ouvi só o silêncio, depois de poucos segundos.
— Barbás! — Chamei, respirando audivelmente. Não recebi resposta e a minha pulsação acelerou. Caralho... Eu não podia sair dali, do meu esconderijo, mas não aguentaria ficar ali sem saber como ele estava. — William, porra! — Me escorei na parede, esticando meu corpo para olhar lá fora. Um tiro que passou bem acima da minha cabeça me faz voltar pro lugar. Havia um rombo na parede de tijolos logo acima de mim e um no meu peito. Não, eu não tinha sido baleada, mas não ouvir a voz do Barbás tava consumindo o meu coração de dentro pra fora. Eu não conseguia ver ele. — Will? — Ouvi um barulho na porta e corri para lá. Quem eu encontrei naquele lugar, porém, não foi quem eu esperava. — Você? — Olhei diretamente pro Peralta, que me encarou de volta com ódio nos olhos.
— Não tava me esperando, cachorra? — Perguntou com um sorriso debochado e uma pistola apontada na minha cara.
Eu sabia que ia morrer naquele momento, por isso, o meu corpo se pôs todo em "modo ameaça". Nem sei o que tinha dado em mim para reagir da maneira como eu fiz... talvez a doideira sempre tenha sido um pouco o meu forte. Eu abaixei no primeiro estampido e fui pra cima, forçando os meus braços pra cima, com os punhos fechados em torno do pulso com a arma, apontando o bico dela para o teto. Graças à Deus pelas aulas de defesa pessoal que eu tinha sido obrigada a fazer. Ele, infelizmente, era muito mais forte que eu e, naquela posição, foi fácil me passar uma banda e me levar pro chão. Minhas pernas, entretanto, grudaram nos calcanhares dele, e eu não larguei a mão da arma de jeito nenhum, terminei por desequilibrá-lo também.
Nós dois no chão, eu tentei arrancar a pistola dele mordendo a seu braço e terminei recebendo um soco no rosto que me tirou de órbita na mesma hora. Balançei, meio tonta pelo impacto.
— Filha de uma puta. — Xingou, me dando uma coronhada. Foi mais ou menos ali que eu perdi a força pra lutar e o sangue escorreu do couro cabeludo, prejudicando minha visão ao se misturar com o suor da minha testa e se acumular na minha pálpebra. Me ergui para cuspir no rosto do corno como um último gesto de rebeldia. Ele apontou o cano na minha cabeça e eu já estava quase sentido a minha passagem... Foi quando eu ouvi o barulho de estompidos de tiros... e não perdi a consciência.
O peso de um corpo caiu sobre mim e eu perdi a respiração, mas não tive forças pra me livrar daquilo. Fiquei ali, sem me mexer, paralizada pelo choque da situação. Minha cabeça não conseguia entender o que tava acontecendo ali, se eu tinha morrido, se eu tava viva, se eu tava passando pro purgatório, ou se só tinha a porra de um cadáver em cima de mim mesmo. Alguém teve que vir o retirar de cima de mim... e esse sim era o alguém por quem eu esperava todo o tempo. Esse homem grosso, escroto e orgulhoso, que não tinha se esquecido de mim, mesmo naquele momento merda. Ele foi segurando em meu pulso e me levantando de uma vez só. Na boa, eu não devia ser a visão mais bonita naquele momento, já que a sensação que eu tinha é que tava toda suja de sangue. Por outro lado, ele também não tava lá nas melhores condições... Vários riscos avermelhados apareceram no rosto, no pescoço e no braço dele. Suspeitava eu que pela destruição da janela quase do nosso lado.
— Acorda ai, Nina. Bora. — Mandou, passando a mão na minha cara para afastar o líquido vermelho dos meus olhos. Tudo estava meio desfocado e as minhas pernas moles, eu achei que fosse cair a qualquer momento. — Volta. — E chacoalhou meus ombros, quando eu consegui o enxergar direito, pisquei meus olhos, que se encheram de água, ao notar que ele tava bem. Foi ai que ele se inclinou e beijou minha testa e segurou meu rosto nas mãos. — Aguenta só mais um pouco. Falta pouco agora. — Pouco a pouco meu cérebro foi voltando pra situação onde eu realmente tava naquele momento, a realidade foi me pegando de volta segundo a segundo.
— Pouco? Para de sacanagem comigo. — Falei descrente, com uma voz sussurrada e rouca. — Tu sabe que tem muita coisa ainda... eu tô morta, Barbás.
— Tô falando, Nina, porra. Tô te pedindo pra sustentar mais um pouco, amor. — Porra, eu tava sensível demais pra ouvir um 'amor' daqueles inabalada. Eu tinha a sensação de que eu nunca tinha ouvido aquilo da boca dele até ali. Por isso, solucei diante daquela demonstração de carinho. Coisas assim não aconteciam com frequência, levando em consideração o quão orgulhoso o Barbás era. — Sustenta, que nós vamos tomar essa favela hoje, eu e você.
Pisquei várias vezes, franzindo o cenho e olhando pra ele como se fosse um ET. Eu tinha escutado certo? Esse homem não parava de me surpreender nunca...
— Eu e você? — Repeti meio débil. — E os outros? Eles não...
— O Russo tá com a gente, tu sabe. O Parma, se for inteligente, vai estar também. O merda do Peralta... — Ele direcionou o meu rosto pro corpo ao nosso lado, que vazava sangue por todos os buracos que o William tinha aberto nele. Não era beeeem uma cena romântica como a minha mente fazia parecer... — Vamos fazer do teu jeito, boto fé que vai dar certo.
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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...