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— É polícia? — Sussurrei a pergunta.

— É. — Confirmou.

— Eles não podem me matar, então. — Disse pra ele, sem ter muita certeza das minhas palavras. É óbvio que eles podiam, mas eu não queria falar isso pra ele ali.

— Os canas não ligam pra gente, tia. — Falou simplesmente e eu vi uma lágrima descendo dos olhos dele. Ai eu não consegui mais segurar o choro que estava entalado na minha garganta. Ele era um garoto, porra. Um garoto que parecia com o meu irmão... devia ter a idade do mais velho agora. Um menino que não tinha visto nada além de uma vida merda e que agora tava morrendo ali na minha frente.

— Quantos anos você tem? — Perguntei, sem poder me conter, deixando um soluço escapar.

— 15. — Ele respondeu, no meio de um soluço.

Eu fiquei de joelhos pra aplicar mais pressão sobre a barriga dele e estava tão absorta em não deixar o garoto sangrar até morrer ali, que eu nem notei o que tava acontecendo a minha volta. Não notei como o caveirão tinha avançado pela rua, nem como os tiros e estrondos de bomba tinham ficado perigosamente perto. Nem quando o meu esconderijo foi descoberto... O blindado havia parada há vários metros dali, onde a rua afunilava para um beco antes de chegar onde estava. Um grupo de policias

Eu fui tirada de cima do garoto ao ser puxada pelos cabelos por alguém. Um homem vestido de preto da cabeça aos pés, segurou próximo ao meu couro cabeludo com força e me obrigou a ficar de pé, me arrastando até o meio do asfalto.

— Me solta. Me solta, porra. — Me bati, tentando me libertar dele, socando o peito do homem. Notei a existência de uma placa dura sob o uniforme. Colete...

— Para ai, piranha. — E me sacudiu com força. — Cadê a porra dos seus documentos?

— Não tá comigo, tá em casa. — Falei de uma vez só, passando a mão no rosto pra limpar as lágrimas, acabando por sujar mais ainda. Eu tava nervosa, eu não podia ser presa de novo.

— Tá em casa, né?! Tá fazendo o que aqui no meio do tiroteio, porra?

— Tu não viu? Eu tava ali estancando o sangramento dele, ele precisa de uma ambulância agora.

— Precisa, é? Sementinha do mal essa porra ai. — Fez pouco, me puxando dali para um beco próximo. Lá, ele me empurrou no chão, largando meu cabelo e um couro cabeludo dolorido pelo puxão. — Bora, cadê os outros? Cadê teu chefe?

— Que chefe? Que outros? Que porras tu tá falando? — Gritei com ele, desconversando todas as perguntas que ele me fazia, enquanto me arrastava lentamente pra trás.

— Tu sabe, sua cachorra. O que tu tá fazendo aqui há essa hora, tava só de passagem? Aqui? Em rua de boca de fumo? Cadê a porra do seu documento? — Ele só jogava essas inquisições e acusações em cima de mim. — Bora caralho, cadê a identidade? Tá em casa?

— Tá em casa. — Confirmei e ele correu a distância que nos separava, me dando a porra de um chute na lateral da barriga com força. Eu gritei e tossi pela falta de ar que me atingiu, além da dor lancinante que fez minha mente pifar. Ele chutou mais algumas vezes, antes de se sentir satisfeito com a minha cara de sofrimento.

— Bora, colabora. Fala onde estão os outros ratos que estavam contigo. — Mandou, pegando no meu cabelo de novo.

— Eu não sei, eu não... — Falei baixo, no meio da tosse. Caralho eu só queria a porra de uma arma ali.

Eu ouvi um estrondo de novo... eram tiros de fuzil, eu tinha certeza. Uma rajada que atingiu o policial que estava em cima de mim no seu único lugar vulnerável: pescoço e cabeça. Ele caiu no chão, ao lado, no momento seguinte e eu me levantei meio cambaleante, tentando descobrir de onde tinha vindo aquele tiros. Não havia ninguém do meu lado, mas quando eu levantei o rosto eu vi um grupo numa laje baixa ali ao lado.

Um a um, os caras foram pulando ali em baixo e correndo em direções diferentes. Um rosto conhecido pulou pela escada lateral, com o fuzil firme nas mãos e agarrou meu braço como ele gostava muito de fazer. Demorei uns segundos pra cair na real, nesse meio tempo, ele foi me arrastando rua acima.

— Tá esperando o que pra correr, caralho? — Ele gritou comigo como nunca tinha feito antes. Eu só tinha visto ele gritar uma vez ou outra, Barbás não fazia muito o tipo que se abalava fácil, mesmo que tivesse nervoso. Eu não tava conseguindo fluir muito bem, mesmo com a adrenalina bombando nas minhas veias, por causa da dor na lateral do coluna, onde eu tinha recebido um chute daqueles.

Eu me assustei e aumentei o ritmo das passadas, mesmo não conseguindo acompanhar ele direito, agora eu estava correndo mesmo. Eu estava meio mancando por causa da dor, mas estava em plena velocidade. A gente ia passando por um monte de becos e entrando em várias vielas, enquanto tiros varavam o alto das lajes, dos dois lados. Eu não queria demonstrar fraqueza na frente do William, nem queria ouvir grosseria dele porque eu tava me queixando de dor. Que nem criança que tinha medo do pai, eu engoli o choro e continuei. Minha vida dependia disso.

Andamos muito, corremos mais ainda. Ele ia varrendo cada beco com o olhar, passava apontando a arma e seguia pro próximo. Saímos na Vila Verde, de frente pro CIEP e convenientemente perto da grande rampa. No muro da escola, tinha uma moto parada. Era uma honda simples, tinha até placa, então era acima de qualquer suspeita. Ele passou a mão no painel e virou a chave, subindo na coisa. Segui ele sem nem pensar duas vezes, montando na garupa com uma dificuldade imensa. Eu não consegui conter o gemido de dor quando, tinha que esticar a perna para passar ela pro outro lado. Barbás arrancou apressado pra caralho, embicando pra cima da rampa. Eu envolvi meu braços na cintura dele pra segurar um pouco o tranco que dava por causa da velocidade. Mano, eu tava com MUITO medo de tomar um tiro nas costas ali.

Felizmente, a gente passou menos de 5 minutos naquela coisa. Assim que chegou no topo da rampa, ele pegou um caminho que dava na mata, uma estradinha de terra que ia ao menos 500m a dentro antes de desaparecer em meio à árvores. Ele me mandou descer nessa hora. Eu achei que o impulso que eu tive que fazer pra saltar da moto ia me matar real. Parecia que qualquer mexidinha na barriga era um soco que eu tomava, eu não queria nem ver como estava a situação no lugar. Enquanto o Barbás jogou a moto deitada no meio do mato alto nas redondezas, provavelmente pra esconder ela, eu recuperava o ar que estava começando a me faltar pela fadiga. As minhas mãos já estavam tremendo de maneira bizarra, eu não sabia se era medo, se era nervoso, ansiedade... Provavelmente um pouco de tudo.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora