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[NINA]
Fiquei os dois dias seguinte em casa de repouso. Com quantidade de pomada e remédio que a Lila me dava, o machucado na barriga já estava ficando com uma aparência bem melhor. O inchaço tinha sumido, em maior parte, e agora as bordas começam a ficar amareladas. Sinal de que estava sarando muito bem. No terceiro dia, eu já estava doida de ficar deitada na cama o dia todo, para minha sorte a Xica me mandou uma mensagem no whatsapp avisando que ia ter uma reunião geral na quadra do alto da favela. Segundo ela, se eu ainda tivesse mal, eu não precisava ir, mas era bom que eu tivesse lá pra ouvir o que o Caburé queria falar. Devia ser importante pra ele querer reunir todo mundo assim... confirmei que ia e ela ficou de passar aqui em casa pra me buscar.
Nesses dias o Wallace vinha ver como eu estava as vezes, mas não falava comigo. Mano, eu tava desesperada pra falar com ele, mas não sabia como fazer ele me escutar. Cara, ele tava muito chateado comigo. Chateado pra caralho. E eu me sentia extremamente mal com isso. Eu amava aquele homem e não queria decepcionar ele, mas porra... ele tinha que entender que eu precisava reerguer minha vida, andar com as minhas pernas. Aliás... ele ia rir se descobrisse que minha carreira no tráfico não era mais que limpar droga que ficava no chão e coisas do tipo.
Naquele dia, eu levantei cedo e tomei banho, fiquei esperando a Xica passar. A Lila tretou pra me deixar sair, óbvio, mas eu convenci ela de que era importante.
— É no chamado geral que tu vai? — Perguntou.
— É, eu tenho que estar lá com o pessoal. Disseram que o Caburé tem um negócio sério pra falar. — Contei.
— Deve ter mesmo, esse é a primeira vez que ele tá mandando reunir geral, sabia? Deve ter dado merda. O Wallace tava preocupado.
Bufei, me encostando no sofá. Que tinha dado merda isso a gente sabia, só não sabia que tipo de merda. Nem o que esperava a gente... ai uma buzina tocou, apartando a conversa merda que a gente ia começar a ter.
— É a minha carona. Te conto tudo quando voltar. — Dei um beijo na bochecha da Lila e saí porta a fora.— E ai, Ninão? Já tá melhor? — Perguntou a Xica.
— Tô nova e pronta pra outra. — Brinquei, subindo na garupa da moto dela. Aquela já não era mais uma tarefa tão difícil.
Me segurei na cintura dela e nós subimos a Estrada da Gávea a toda. Que tinha uma porrada de moto na Rocinha isso era fato, mas hoje isso parece ainda mais visível. Uma monte de gente estava subindo para além da Rua 1, todo mundo do fluxo, só tinha ficado livre de ir quem tava trampando na contingência. Tipo... os soldados que estavam patrulhando e cuidando das estradas da favela. Todo o resto tinha sido convocado.
A quadra que ficava depois da 1 não era exatamente uma quadra, sabe qual é? Era um campo de futebol improvisado, mais como uma área aberta, com chão de barro, bem próxima da mata. Lá, uma puta quantidade de gente já estava reunida, tivemos que procurar por muito tempo o povo da nossa boca. Era pra mais de 300 homens. Muito nego envolvido. Todo mundo tava ali.
— Chegamo, Barbás. — A Xica anunciou. Eu
comprimentei todos os meninos que estavam com a gente no dia a dia lá, sentindo a falta de alguns ali... meu coração ficou apertado de novo. Depois fui dar um abraço no TK e depois, finalmente parei perto do William.
— Oi. E ai? — Cumprimentei, meio sem jeito. Da última vez que eu tinha visto o homem, eu tava dando um beijo na boca dele. Agora eu não sabia como agir, sabe?
— Como tu tá? — Perguntou da maneira seca como ele costumava falar.
— Tô viva. — Ele me olhou atravessado por causa da resposta.
— Isso eu tô vendo, eu perguntei como você tá.
— Grosso. Eu tô bem, ué. — Cruzei os braços, fazendo uma carranca. — E você?
— Vamo descobrir. — Falou, encerrando o assunto e virando pra frente. Caburé e os seguranças acabavam de chegar e estavam indo a frente. Tinha uma caixa de som e um microfone, ao qual ele pegou nas mãos pra começar a falar. Depois de toda a pompa inicial, ele foi direto ao assunto.
— O que eu chamei vocês aqui hoje é porque eu tenho umas notícias pra dar, pra todo mundo ficar ligado. O bagulho é sério e o papo é reto, a partir de hoje as coisas vão ficar diferentes aqui. O buraco vai estar mais embaixo, tão ligado?— A primeira coisa é que o acordo que eu tinha com o 23° já era. Acabou. — Ele falou e um burburinho tomou conta do lugar. Ninguém falou nada alto, mas o comentário geral era um: puta que pariu. O 23° que ele falava era o 23° Batalhão da PM, que era o que controlava a nossa área. — Os cara queriam mais dinheiro de nós, mais dinheiro do que a gente já dá pra eles toda semana. Mais um pouco e nós vai estar trabalhando pra pagar o salário de cana safado. Até eles quererem negociar com nós de novo, tá todo mundo avisado que o asfalto tá proibido. Quem botar a cara lá vai tomar chumbo ou vai ser preso.
— Caralho. — Xingou Barbás, cruzando os braços e olhando pro TK. — A merda...
— A partir de hoje é atenção dobrada nessa porra. Vamo botar mais gente pra vigiar as entradas da favela, não é pra dar mole pra ninguém, ninguém. É pra ficar de olho em cada coroa que subir e descer o morro, não pode deixar passar. Agora que os PM não tão mais fechado com nós, a gente tá vulnerável. Os alemão são covarde, vocês sabem disso. A gente não pode de desestruturar agora. — Falou o dono. Ele parecia nervoso, devia estar mesmo. CR tava numa posição puta ruim. — O negócio dos bicos que eu tinha comprado semana passada tá suspenso por enquanto, até nós poder sair pra buscar sem correr risco dos cuzão da polícia virem pegar. Eu quero todo mundo na porra da atividade daqui pra frente, sem gracinha. O primeiro fogos que cês ouvirem, é pra meter o pé. Não deixa porra nenhuma pra trás, cês tão entendendo? Então é isso ai.
Ele foi saudado pelo pessoal na saída e em alguns vários minutos depois, a 'reunião' tinha acabado. O clima, por outro lado, tava uma merda. O pessoal sabia que a estação das vacas magras tinha acabado de começar, todo mundo ia ter que segurar o seu rojão. Eu meio que murchei na hora... na boa, eu não queria passar pelo que eu passei naquela semana de novo, mas não tinha jeito, né? Eu tinha escolhido aquele caminho, era ele que eu ia ter que trilhar. Não é como se eu não soubesse como funciona uma favela, né?
— A gente vai se fuder, tu sabe, né?! — TK comentou com o Barbás, que continuava com uma cara de cu colossal.
— Tô sabendo. — Ele passou os dedos na barba, parecia pensativo. — Eu vou bolar um plano pra proteção daquela boca, vou pedir mais uns homens pro Caburé... a gente vai dar um jeito, irmão. — Falou com confiança pro Tulio, que não tava lá tão certo de que as coisas iam ficar de boa.
Cheguei perto da Xica com um olhar confuso e apontando para os dois homens, que discutiam onde eles iam colocar os seguranças.
— Eles vão ficar nessa a semana toda. — Comentou, negando com a cabeça. — Isso ai afeta mais a gente do que o resto das bocas. A Barcelos é a primeira boca da Rocinha, fica bem na entrada. É na gente que eles vão bater primeiro. — Explicou rapidamente.
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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...