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— Ou era um bagulho real e alguma coisa saiu errado, ai ele botou na tua conta. A corda sempre arrebenta pro lado mais fraco. — TK falou.

— Isso ai a gente nunca vai saber, irmão. — William negou com a cabeça, olhando para gente. — Caburé tá morto. A gente nunca vai saber até onde ele se envolveu nessa merda, isso se ele chegou a se envolver. Se pá o Misael tava sozinho nessa porra.

— Essa história tá é mal contada. — Tulio rebateu. — É o que eu falei ontem, pra que ele ia matar o Caburé? O cara dava uma vida de rei pra ele, a moral que ele tem na favela é por causa do Salvador.

— Nem todo mundo se contenta com as bordas não, Túlio. Tem gente que só quer o maior pedaço do bolo. O poder sobe à cabeça. — Foi o Barbás quem falou. — Pra que ser gerente-geral, se tu pode ser a porra do patrão? Dono de todas as bocas? — Ele levantou e terminou o café dele num gole.

— Tá, mas por que eu? — Larissa falou, abraçando o filho dela. Madalena chegou com a mochila do menino e entregou pra ela. — Podia ser qualquer um. Por que eu?

— Ele tava olhando muito pra nossa cara quando tirou ela do carro, Barbás. — TK disse. — Aquele merda só podia estar fazendo graça, ele tava ameaçando a gente, será?

— Ele tava me ameaçando. — A expressão cansada do William voltou a ficar visível no rosto dele, ao menos pra mim. — Ele sabia que eu tava na cola dele, que eu ia descobrir ele. Se pá foi por isso que ele resolveu botar ela de bucha no meio do caminho do planinho merda dele. Traíra filho de uma puta. — Xingou, botando a xícara dele na mesa. Ele subiu sem falar com mais ninguém. A verdade era essa... A gente nunca ia realmente saber o que se passou naquele dia, as pessoas que o M7 envolveu e o motivo delas terem sido envolvidas. Só ele sabia disso. Só ele.

O pessoal começou a levantar e eu olhei no relógio do meu celular. 9h20. Daqui a pouco a gente tinha que estar na quadra, o M7 queria falar merda no nosso ouvido. Eu não sabia como eu ia aguentar olhar na cara daquele pau no cu quase todo dia e saber que ele é o cara mais poderoso da favela. Saber que eu devia obediência à ele agora... Me dava ânsia de vômito só de imaginar. O Russo e a Dalila ficaram me esperando na porta, enquanto eu me despedia do Pedrinho (enquanto a mãe dele não tava por perto) e da Madalena. A cara de cu deles deixava claro que não tavam nem um pouco feliz comigo.

— Que porra é essa com o Barbás? — Russo foi o primeiro a falar. — Tu sai no meio da noite, o cara vai atrás. Tu volta, vai pro quarto com ele. Que porra é issa, Nina? — Do lado dele, a Lila me fuzilava com o olhar.

— Nem pra mim tu teve a decência de falar. Eu sou tua melhor amiga desde quando, piranha? — Brigou.

Eu engoli em seco e tava pra responder quando meu celular tocou no meu bolso. Peguei ele e quando notei, a pessoa já tinha desligado. Foi só um toque. Na tela, estava lá o nome 'Mãe' como uma chamada perdida e uma mensagem dela no whatsapp: "me encontra em 20 minutos na entrada da favela".

Respondi que não ia dar, que eu tinha que ir ver o BFF dela falar na praça. Ela, então, falou que se eu não tivesse lá, ela ia entender que eu preferia não saber e nunca mais ia tocar no assunto. Óbvio que eu não tinha opção. Eu só tinha que passar em casa pra trocar de roupa e voar pra lá...

— Tenho que ralar rápido, minha mãe tá me esperando na estrada da favela.

— Não muda de... Que? Sua mãe? Tu voltou a falar com ela? — Lila perguntou. O Russo só olhou pra mim. Eu tinha a impressão de que ele também tinha notado alguma coisa naquele carro.

— É... Eu falei com ela ontem. Eu tenho que ir lá agora. — Falei em poucas palavras.

— Pera ai, como assim? Tu não tem que ir pro bagulho do M7 lá? Todo mundo tem que estar lá, Nina. — Insistiu ela.

— Ele nem vai saber que eu não tava lá, relaxa. — Tranquilizei ela, subindo de carona na moto dela. O Russo arrancou sozinho na dele. Assim, nós todos fomos pra casa. Fui direto tomar um banho e trocar de roupa... eu sabia que eu ia matar um leão hoje. Só não sabia o tamanho dele ainda.

[...]

E lá estava ela. Parada no muro da entrada da favela, olhando lá pra fora. Dona Cláudia tava na metade dos seus 40 anos e ainda era uma mulher muito bonita. Ela tinha algumas marcas de expressão no rosto, algumas rugas no canto dos olhos, algumas marcas da vida sofrida que aquela mulher tinha tido. Mesmo assim, os cabelos pretos e bem lisinhos ainda era um show a parte, apesar de já terem alguns fios brancos no meio deles, e os olhos verdes eram de tirar o fôlego. Desde criança eu sempre chorei por não ter puxado aqueles benditos olhos dela, os meus eram castanhos... Apesar de ter tido muitos filhos, o corpo dela ainda era o mesmo que eu conhecia quando criança, escultural. Ao menos as formas cheias de curva eu tinha puxado dela.

— E ai? — Falei, chegando perto dela.

— Oi. — Ela respondeu, pegando o celular e chamando um Uber pra praia de São Conrado. Era perto, então deu baratinho. A gente embarcou e em menos de 10 minutos já estavamos lá.

Minha mãe foi na frente, tirou os sapatos e andou um pouco pela areia da praia. Era um dia meio cinzento, com muitas nuvens no céu, então, a praia estava vazia. Tinha só umas crianças jogando bola, algumas famílias... Cláudia tirou uma canga na bolsa e forrou no chão pra gente. Nos sentamos em silêncio e ela manteve os olhos pro oceano, olhando pra mim muitas poucas vezes. Ela tava nervosa, eu podia dizer...

— Você tem alguma coisa pra me falar? — Perguntei, abraçando minhas pernas. Ele suspirou profundamente, era o incentivo que ela precisava pra começar a dizer tudo o que queria.

— Primeiro, eu não matei o Salvador. — Falou, finalmente virando pra mim. — Segundo, se você me chamar de bandida de novo, eu vou virar a mão na sua cara. Não fale porra que tu não sabe.

— Então como tu me explica o M7 e você naquele carro? Não era tu quem sempre me dizia que quem anda com bandido é bandido também? — Rebati.

Ela negou com a cabeça e passou a mão no rosto.

— Vamos começar do começo. Eu tenho que te contar uma história. — Falou e eu sentei de frente pra ela. — Era uma vez... — Começou e eu dei um sorrisinho nostálgico. Ela sempre me contava histórias quando eu era criança e sempre, sempre começava com "era uma vez". — Era uma vez uma menina de 13 anos, que morava na favela, e tinha um pai bandido que espancava a mãe dela. O irmão dela acabou se envolvendo no corre também por influência do pai de merda que eles tinham. Um dia, o pai bebeu e matou mãe da menina na frente dela, o irmão reagiu e matou o pai logo depois. Os dois irmãos ficaram orfãos em questão de minutos. Foi como piscar os olhos.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora