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Olhei pro Barbás em busca de uma resposta mais firme. Aquilo ele podia responder muito melhor que eu, que não tinha experiência nenhuma com tomada de favela ou grandes combates daquele jeito.

— 80 homem com bico dá pra caralho. — Confirmou, se aproximando do telefone. — Eu contei aqui na parte baixa, a gente tinha quase 200 homens. Uns 40 assim eu não sei se ainda tá com a gente, então eu garanto 160.

— Quantos tu acha que o Misael tem? — Carlos perguntou diretamente pro outro.

— Deve estar beirando os 250 assim... ou mais. Aqui tinha uns 500 homens quando a gente era um. — Disse e eu arregalei os olhos. Como assim ele tinha mais gente? — Mas o maior depósito de arma ficou com a gente. Quase todo mundo da gente tá de longa, os dele eu tenho certeza que só uma parte tá de bico. O resto ficou de pistola e sub.

— Melhor assim. — Ele concordou. — Vamo fazer assim, eu chego ai em 2 horas no máximo. Os homens aqui já tão de pé, vamo se preparar e pegar a estrada. Vamo chegar na Vila Verde que é mais discreto e vamo esperar vocês lá. Nina, tu tem que estar lá. Se tu não aparecer...

— Eu vou tá lá, relaxa. — Confirmei, concordando com a cabeça.

— De lá, a gente se reune com o resto pra subir.

— E a minha mãe? — Perguntei. — Minha família. Eu quero tirar eles, pai, de qualquer jeito. Minha mãe, meus irmãos e a Dalila. Nenhum deles luta, ficar pra cá só deixar eles correndo risco à toa. Eles são visados pelo Misael, se colocar a mão em qualquer um deles, já era.

— Vamo tirar eles sim, eu já pensei nisso. Qual o caminho mais apagado assim pra eles irem? — Perguntou.

— Ali pela Alegria? — Sugeri pro Barbás. — A gente tomou o Largo, então, é fácil seguir de lá por pelos becos até sair.

— Pela Alegria. — Concordou.

— Tranquilo, então. Quando a gente chegar, a gente avança até um pouco mais à frente pra segurar o perímetro e escolta eles até lá fora. De lá, mandamos pra onde? Pode ir pra qualquer uma das minhas.

— O Russo tem casa no Vidigal, eu acho. É melhor. — Barbás cortou.

— Show. — Ele concordou. — Então tá fechado. É o mesmo que eu te passei, Nina, vamo chegar pela Vila Verde, garante que ninguém dos teus vai dar tiro na gente pra não dar merda.

— Relaxa que vai estar tudo certo. — Confirmei, mesmo sem ter certeza daquilo. — Vamo desligar aqui que a gente tem que sair de onde a gente tá pra chegar ai a tempo. Até daqui a pouco.

— Show de boa. Até. — Ele se despediu e desligou.

Coloquei o celular no silêncioso, o Barbás desligou o rádio dele pra não apitar e desligamos a casa toda de novo. Fomos até a porta e saímos tão silenciosamente quanto entramos. O beco estava escuro e às moscas como sempre, ia começar e nós tínhamos um grande caminho pra percorrer em território inimigo. Aquele era o começo do fim. Meu coração batia acelerado no peito, a adrenalina deixava os meus dedos gelados o corpo todo em euforia. Eu estava com medo, mas estava feliz por ter chegado até ali. Eu já não aguentava mais viver com essa favela dividida, ninguém mais suportava. Gente morrendo todo dia, tiro todo dia, a paz rasgada em mil pedaços... depois de hoje, pro bem ou pro mal, o povo da Rocinha ia poder respirar em paz de novo.

O começo do fim. A paz tinha o seu preço e esse era sangue... Nosso e dos nossos inimigos.

Barbás parou do meu lado, me olhando longamente. Aproveitamos o silêncio da madrugada, que nos acolhia uma última vez, pra ter um momento. Eu enrolei meus braços no tronco dele e o abraçei. Ele, por sua vez, deu um beijo em cima do anel que colocou no meu dedo e outro na minha testa.

— Vombora. Olha em baixo, que eu vou ficar de olho nos telhados. — Disse e eu concordei com a cabeça. Os nossos passos controlados até o final do beco não fizeram barulho algum. Barbás verificou a rua e as lajes antes de permitir que a gente saísse dali. Com os olhos atentos no céu e nas esquinas, nós dois avançamos num ritmo acelerado e silêncioso por dentro do labirinto de vielas que era aquele lugar. Até ali era seguro, quando caíssemos na rua da Dionéia, a coisa ia ficar mais complicada.

Seguimos por alguns minutos na segurança, até o barulho de uma moto na única rua movimentada da região nos alertar para o perigo. Precisariamos atravessar ela perto da garagem e cair pela vilazinha de comércio que tinha ali. De lá, a gente já caia de cara na Biblioteca Parque. Ali já era de frente pras nossas linhas na Cachopa, a área mais crítica, mas a maneira mais fácil de conseguir sair. Saindo ali, já iamos ter apoio dos nossos aliados. Era um plano simples, mas de execução complicada.

Barbás botou a cara pra fora e notou algum movimento. A maioria de trabalhadores indo pro ponto esperar o ônibus... só um de um moleque envolvido. Era uma radinho que ficava bem na esquina da garagem. De relance, a gente viu um soldado, um pouco mais velho que ele, trocando uma ideia com o garoto.

— Eles não podem ver a gente aqui não, se chamar a atenção agora, vai encher de homem a rua da Biblioteca. — Falou em um tom sussurrado. — Minha pistola tá com silenciador, não tá? — Perguntou virando pra mim e eu peguei ela na minha cintura.

— Esse bico aqui é um silenciador? — Perguntei. — Achei que fosse um extensor de distância, sei lá.

— É um silenciador. — Afirmou, olhando pra trás pra verificar. — Seguinte, vamo atravessar que nem um casal comum e ir pelo cantinho. O moleque não tá prestando a atenção em nós não. Eu pego ele e tu derruba o soldado, mas tem que ser rápido. O cara tá de fuzil e se tu der oportunidade, ele vai matar a gente.

Eu tinha vantagem de perto com a pistola, ele ia levar muito tempo pra se armar e atirar na gente com o fuzil. Era só eu fazer o que eu tinha aprendido... Barbás tirou o fuzil e colocou atrás de uma lixeira grande que ficava na esquina e eu guardei a arma na cintura. Felizmente a blusa era bem larga e não dava pra ver.

Ele ajeitou o boné e nós demos as mãos, atravessamos juntos como se não quisessemos nada. Entre os trabalhadores, nos disfarçamos e conseguimos chegar até o outro lado da rua sem muito causo. Não seguimos na direção do fluxo, porém... grudados na casas, fomos se esgueirando até próximo da esquina. O radinho tá meio sonolento, escorado no poste de costas pra gente, vigiando os homens e mulheres que desciam do Portão Vermelho pra pegar o transporte.

— Agora! — Sussurrou, ele tirou a mesma faca de ontem de cintura, tirando ela na capa e avançando pra cima do moleque, cravando ela bem na jugular do garoto, pra não dar a oportunidade dele gritar. Saí de trás dele na mesma hora e atirei no outro que portava o fuzil. Ele não chegou nem a levantar a arma direito... tempo de reação lento. — Boa. — Comemorou, derrubando o corpo do radinho no chão e tirando a faca, que fez o sangue da artéria do pobre espirrar. A boca dele se abria e fechava, parecendo um peixe... apertei os lábios uns contra os outros com cena grotesca. — Puxa eles pro canto ai e pega o bico do soldado ali. Vou lá buscar meu 762.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora