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— Sabe, Nina... Antes de tudo isso acontecer, eu tava há quase 5 anos sem ter notícias do seu pai. Antes ele me ligava pra pedir notícias de você, saber como você tava... depois, ele sumiu. Ai há algumas semanas ele voltou a me ligar, depois de todo aquele tempo. Ele contou todas as coisas que o Caburé tinha mandado pra ele, todas as fotos e ameaças por trás dos panos e me pediu ajuda pra salvar a sua vida. Pra resolver aquela situação. — Ela passou a mão nos cabelos. — Eu nunca quis me envolver em nada disso, por isso eu me separei do Carlos e de repente, eu não tinha mais escolha, né? Tu quis seguir a porra do teu caminho, eu não tinha como impedir e ai... — Ela deu de ombros. — Eu tinha que escolher entre deixar você sozinha e se virar, ou eu podia salvar sua vida.

Os olhos dela estavam cheios de lágrimas de novo e eu me senti a pior pessoa do mundo. Por minhas causa, ela engoliu em seco todos os seus princípios. Por minha causa... Ver aquela mulher sofrer por minha causa me partia o coração em pedaços.

— Eu tentei te deixar pra lá, a tua escolha tu tinha feito quando subiu a Rua 1, o certo era você se virar com o problema que você tinha criado. — Falou e eu senti a raiva dela me queimando. — Mas eu não consegui. Era culpa de minha e se você morresse, ia ser mais culpa minha ainda. Eu não conseguia mais dormir a noite pensando que o Caburé podia matar você a qualquer hora, já que o seu pai não ia entregar as favelas. Eu fui até ele várias vezes e implorei pra ele te deixar ir, mas o filho da puta do Salvador tava firme. Ele não ia te tirar da boca, já que você tinha ido até lá pelas suas próprias pernas. Ele adorava mascarar as suas intenções verdadeiras com o que parecia boas ações. E você não sabia onde tava se metendo porque eu nunca te falei nada. A culpa era minha.

— E ai tu se juntou com M7? — Falei com desgosto.

— Eu não fiz nada, Nina. Quando o Caburé mandou você pra pegar o Siqueira, ele mandou um recado pro teu pai. Ele desconfiou do que tava acontecendo e ai o cerco apertou, foi ai que fechou com o M7. Eu tava lá só pra ter certeza de que o Caburé tinha caído mesmo, eu sou a pessoa de confiança do teu pai. — Falou. — Eu não tenho nada com essa merda, eu só fiz o intermédio. Não fui eu quem matei ele, aquele tiro era pra manter ele longe. Ele só foi em cima de você depois, porque me viu, era isso o que eu queria evitar quando peguei a arma do M7, quando eu vi ele vindo. No desespero a gente faz merda... Eu não sirvo pra isso não, Nina, eu tenho pressão alta.

— Mano... — Enfiei as unhas no couro cabeludo, tentando enfiar tudo aquilo que eu tinha ouvido na cabeça. Meu Deus...

— O Caburé caiu, Nina. Já foi, agora tá tudo de boa. Tá tranquilo. — Agora era ela quem estava sendo inocente. Tranquilo? Eu tava fodida. Misael não era nosso amigo, a gente não tava do lado dele.

— Que tá tranquilo o que, mãe? — Perguntei, olhando pra ela com desespero. — Tranquilo é o caralho. O Misael é um filho da puta. Tu tá ligada que ele me odeia, né?

— Não interessa se ele te odeia ou não, ele não vai fazer nada contigo porque ele tem um acordo com teu pai. — Garantiu e eu não conseguia acreditar naquilo. Aquele merda era um demônio e ele era cismado comigo.

— O lance não é esse, mãe. Esse cara não é nosso amigo, só quem tá do lado dele lá na favela é a tropa que fica cheirando o cu dele. Nós não estamos do lado dele. — Falei com toda a sinceridade. — Eu odeio ele, essa cara já me esculachou uma vez. O Caburé tava de dois papos, mas o M7 fez foi traição da pior espécie, mano. Ninguém admite isso.

— O M7 vai saber manter o poder que deram na mão dele. Se não souber também, o problema dele, eu não tenho mais nada a ver com isso, até porque agora tu sabe onde tu tá pisando, né? Hora de largar essa brincadeira tua, Nina.

— Que? Tu acha que eu vou sair? — Perguntei, dando um sorriso cínico.

— Tu vai, Nina. Chega dessa porra, chega de jogar tua vida fora. A polícia ainda não se ligou que tu tá no tráfico, tu pode sair agora e terminar de cumprir sua pena, cê vai ficar livre.

— Eu não vou sair. — Falei com força. — Eu não quero sair. Eu gosto do corre, gosto do movimento, gosto dos meus amigos e do dinheiro. Eu me encontrei lá.

— Menina irresponsável do caralho. Olha o que acabou de acontecer, Marina. — Ela deu um tapa no meu braço e eu segurei o braço dela. Eu não ia revidar por respeito à ela, mas apanhar quieta que eu não ia. — Tu gosta é daquele macho que tu tá atrás. Eu sei... O Caburé me apresentou quando eu fui ver ele uma vez.

— Você tá doida, porra. Olha, eu te amo e agradeço por ter feito o que você fez por mim. Eu tô feliz por ter você aqui, me contando tudo o que eu não sabia, me falando sobre o pai que eu só tive quando criança. Só que você precisa entender que eu cresci e na minha vida mando eu. O que acontece é que agora eu vendo droga, do branco, do café, o bico verde, paninho, MD, de tudo um pouco. Eu ando pra cima e pra baixo com um bico preto sim, com um monte de bandido do meu lado. Essa é quem eu sou agora mãe. Não sou a filha que tu queria, mas é essa ai a que Deus te deu. Tu só tem a opção de aceitar. — Disse, com as lágrimas já secas no rosto. Minha cabeça tava martelando, mas eu não ia dar pra trás. Tendo pai bandido ou não, isso não mudava nada agora. Ele não me criou, não teve do meu lado na adolescência merda que eu tive, eu lembrava muito mal o rosto. Toda a memória que eu tinha dele era um aniversário meu, algumas brincadeiras e o apelido pelo qual ele me chamava e que minha mãe acabou adotando um tempo depois também: índiazinha. Com 5 ou 6 anos, ele foi embora. Ele não mudava nada... Podia ser uma determinação cega, mas eu não ia voltar um passo sequer.

— Marina, você sabe que nesse mato que tu tá se metendo não tem cachorro. Não vai ter mamãe e papai por trás pra livrar tua barra, tu vai estar por conta própria. — Ela falou, me olhando séria. — E se as coisas forem como tu tá falando ai, sobre o Misael, então o buraco é ainda mais embaixo. Tu é filha de alemão, é bom que tu lembre sempre disso. Se eles acharem que tu tem alguma ligação com o aconteceu, não vai ter amiguinho que vá te salvar. Ninguém vai poder te ajudar, tu tá me ouvindo bem? Você tá escolhendo se afundar nessa merda, depois chorar não vai adiantar.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora