Ela demorou a responder e ficou me olhando, com um milhão de sentimentos passando pelos olhos dela.
— Eu tinha um monte, mas ficou em casa. — Explicou e eu soube que estava perdido, provavelmente pra sempre.
— Cê costumava a ter umas fotos nossas guardadas na sua carteira. Nenhuma dele?
— Nina, eu já não tô mais com o seu pai faz mais de uma década. Pra que eu ia ter uma foto dele na carteira? — Indagou. — E por que essa curiosidade agora?
— Eu só queria saber. — Dei de ombros.
— Não tenho mais como te ajudar com isso, Nina. Desculpa. — Ela voltou pra boca do fogão e mexeu as panelas. — Mas se tu tem tanta curiosidade, tu pode pesquisar na internet. Alguma foto de procurado dele deve ter.
— Não tem, eu já tentei. Só no registro da polícia, mas eu não tenho como acessar, tendeu? — Disse, bufando. — Ele não tira foto, nem nada.
— Carlos sempre foi pilhado assim. — Explicou como se não fosse novidade nenhuma. — Esquece isso, Nina. Uma hora as coisas vão acalmar e tu vai ter oportunidade de conhecer ele. Não esquenta.
— É, mas eu eu queria...
— Ô Nina, vem cá. — Ouvi o Drei chamar da sala, me interrompendo. Me dei por vencida e fui lá ver o que ele queria. Sentei no sofá mais afastado dos meninos e o meu moleque mais velho veio pro meu lado. — Você quer conhecer seu pai? — Ele me perguntou num volume baixinho. Como o Luan e o Jean tavam gritando do lado, acabou abafando ainda mais o som.
— Quero. — Confirmei, olhando esquisito pra ele. — Por quê?— A mãe tava falando disso com uma pessoa no telefone uns dias atrás.
— Que? — Perguntei, chocada na hora. — Como assim?
— É, po. Ela tava no quarto falando com uma moça chama Andreia. Tu sabe quem é? — Perguntou. Eu pisquei algumas vezes e puxei ele pela mão discretamente pro quarto do andar de baixo, onde a gente ia ter mais privacidade pra conversar. Fechei a porta na chave e empurrei ele na extremidade oposta.
— Fala tudo o que você ouviu.
— Ela tava tentando falar com um homem chamando Carlos essas semanas todas ai. Ele que é seu pai?
— É, Drei. Isso eu já sei, eu quero saber se ela descobriu alguma coisa e não me contou.
— Acho que ela não achou ele, porque continuou ligando e perguntando por esse moço. — Ele deu de ombros. — Mas ela marcou um encontro com essa mulher chamada Andreia. Ela fica falando com essa mulher pelo celular e falando do seu pai, eu acho.
— Pelo celular? — Estreitei os olhos. — Drei, vai de fininho lá na sala e pega o celular dela pra mim? É aquele que tá em cima do rack, né?! — Pedi e ele, num gesto de puro companheirismo, atendeu de uma vez só, sem me questionar. Voltou e eu chequei se ninguém tinha achado nossa movimentação estranha indo na porta e olhando a sala. Meus outros irmãos continuavam entretidos com o vídeo game e minha mãe continuava cozinhando.
Desbloqueei o celular com a senha, que era a data de aniversário do Jeanzinho, como eu bem sabia, e fui direto no whatsapp. Vasculhei tudo, todas as últimas conversas, os contatos, tudo... Foi quando eu encontrei a tal Andreia. Elas duas realmente conversavam muito e em geral, era a minha mãe contando tudo o que estava se passando aqui na Rocinha pra essa mulher e ela, em contrapartida, parecia dar notícias de como estava as coisas onde morava, no Fallet Fogueteiro. Numa das últimas conversas, ela dizia que fazia muitos dias que não conseguia contato com o Carlos, mas que isso era normal, ele sempre desaparecia quando precisava fazer alguma coisa. Ai a Cláudia perguntou se ela tinha notícias de por onde ele andava e ela respondeu, sem dúvida nenhuma, que devia estar pelo Galo. A última coisa que tinha dito à ela é que tinha que encontrar uma pessoa lá perto depois de amanhã e que ia ficar um tempo por lá por causa disso. A conversa delas ficou por isso mesmo e tinha terminado ontem. O dia era amanhã e aquela era minha oportunidade de ouro. Eu não sabia como eu tinha dado tanta sorte, mas agradeci à Deus por ter me aberto aquela janela na parede nua.
Aproveitei que a palavra 'online' pipocou na tela pra insistir um pouco mais naquele assunto, me passando pela minha mãe. Mandei um:
'Andreia, eu preciso falar com o Carlos. É urgente e só pode ser com ele.
Sabe como eu posso encontrar ele?
Por onde do Galo que ele tá?Não demorou muito pra aparecer o verificado azul e o 'digitando...'
'Não tenho ctz não, Claudinha. Eu sei que ele vai estar por lá porque dia 12 ele vai encontrar uns caras lá, que nem eu te falei.'
'Sabe horário? Pelo menos a região onde vai ser?'
'Sei não. Ele não fala essas coisas pra mim, só sei que vai ser no Galo.'
'Não tenho como ir lá sem saber onde ele vai tar.' Reclamei. 'E é muito urgente, Andreia.'
'Pera ai que eu vou falar com o menino aqui então.' Escreveu e eu esperei. Fingi estar dando conselhos sobre meninas pro Drei, joguei com ele no celular dele, matei o tempo da melhor forma que eu pude. Fizemos a maior cena. Cerca de 15 minutos depois, eu senti o celular da minha mãe vibrar 'Ô Dinha, o afilhado dele aqui disse que ele tá sem celular mermo, por isso não tá conseguindo falar com ele, mas que ele vai tar no Galo sim. Amanhã ele vai encontrar um amigo da tua favela ai às 8h lá no morro e vai ter uma reunião com ele o resto do dia. Se tu brotar lá umas 15h, tu pega ele ainda.'
— Bingo, caralho. — Comemorei em um tom sussurrado. — Se quer um bagulho bem feito, tem que fazer a gente mesmo.
'Beleza, valeu, Andreia. Vou lá sim.' e mandei mais um monte de emojis que nem minha coroa fazia.
Fiz questão de apagar todas as mensagens que eu troquei com ela e desligar o Wi-Fi. Deu um beijo na cabeça do meu irmão e entreguei o aparelho da mão dele.
— Boa, moleque. Tu é foda demais. — E beijei as duas bochechas dele. — Não conta pra ninguém isso que rolou aqui, tá bom? Pra ninguém.
— Juro, Nina. — Ele beijou minha mão, como era costume na nossa família. — Tu vai conhecer seu pai agora?
— Te amo e 'brigada por ter me ajudado. — Dei mais um beijo na testa dele. — Vou lá fazer isso sim.
Voltei pra sala e me despedi de todos os meus irmãos, depois da minha mãe, e me desculpei por não poder ficar pra jantar. Fui direto pro meu quarto e maquinei todos o detalhes. Nem consegui dormir aquela noite... Logo que o Sol começou a despontar no horizonte, manchando o céu em cores de laranja e rosa, eu tava de pé e com todo o pique do mundo.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...