ㅤㅤ ㅤ[NINA]
Quando a noite caiu, eu sai para andar pelas vielas da favela, explorando cada cantinho daquelas ruas estreitas de novo. Estava ficando cansada de estar trancafiada dentro daquele quarto. Eu tava por ali, sentada no Largo do Boiadeiro quando um grupo se aproximou pelas minhas costas.
— Nininha? É isso mermo? — Uma voz conhecida chamou por mim. Virei na hora pra encontrar um dos meus velhos amigos e meu ex namoradinho dos tempos de escola.
— Marcinho? Mas tu tá diferente, homem. — Cumprimentei ele, dando um abraço demorado no cara. O Márcio estava realmente mudado, o corpo magrelo tinha desenvolvido alguns músculos e ele até ostentava uma barba falhada agora.
— Espero que tenha sido pra melhor, tá ligado? — E sorriu, mexendo um pouco na cintura para passar a arma discretamente para as costas. Eu tinha terminado com ele quando o vagabundo resolveu largar a escola pra ir vender pó na entrada da favela. Na época eu não queria decepcionar minha mãe namorando um bandido... na época.
— Bem melhor, tá com cara de homem agora. Dahora te ver de novo, Márcio.
— Márcio não, amor. Agora é Marciano. — Riu com os colegas atrás de si, orgulhoso do vulgo. — No tempo que tu esteve na tranca, eu arrumei um nome decente. Aparelho era uma merda de vulgo.
— Tem piores, para de ser complexado. Tu lembra do Tripa? — Ri com ele, zoando o nome imbecil que um antigo colega nosso havia conseguido com se juntar pro movimento. Tripa era porque o moleque parecia uma, de tão comprido e magro que era e, pra piorar, ele conseguia ser flexível de uma maneira esquisita e literalmente se dobrar.
— Tá tirando que tu lembra dele.
— Nem. O Tripa era brabo. Que Deus o tenha. — Disse com um peso no coração. Era foda lembrar dos amigos que já tinham ido embora dessa vida. O Tripa foi trocar tiro com a polícia pra não ser preso, enquanto estava na praia, e acabou morto. No nosso meio tinha um monte de histórias assim.
Logo, os caras que estavam com o Márcio começaram a apressar ele, então, já fui me despedindo pra liberar o cara. Na real, eu tinha ficado bem feliz de ter esbarrado com ele, sem toda a moralidade que eu tinha na época, se pá rolasse alguma coisa que desse certo entre nós. Esse filho da puta era um gato do caralho... e o tempo só valorizava.
— Calma ai, po. Eu tenho que ir lá na 1 prestar contas com o Caburé, mas eu volto pra gente tomar um cerveja junto. Vou te mandar uma mensagem no celular, fica de olho ai. — Falou, dando um beijo nas costas da minha mão, galanteador como sempre, e indo na direção da sua moto em seguida. Foi quando deu um estalo na minha cabeça. Eu precisava ir falar com o Caburé também.
— Pera, ô. Me dá uma carona ai, Márcio. Tava precisando levar um papo com o Salvador também. — Pedi, seguindo ele. Os malucos que estava com ele ficaram desconfortáveis na mesma hora, eu notei, mas não falaram nada. Não era da conta deles mesmo. — É, po. Ele que pagou meu advogado e tal. Ainda não fui ver ele depois que voltei. Me leva lá, por favor. Tô sem grana pro moto táxi aqui comigo.
E foi com essa conversa mole que eu consegui minha carona até a Rua 1. Eu subi na garupa do moreno e ele me levou até a porta do escritório do chefe. Entretanto, enquanto ele foi entrando com os caras dele, eu fui barrada na porta.
— Pode subir não. Quem é você, filha? — Perguntou um homem barbudo, segurando com mais força a empunhadura do fuzil. Devia ser o chefe da segurança do Salvador. Esse eu nunca tinha visto na vida.
— Meu nome é Marina, colega. O pessoal me conhece como Nina. Tô precisando falar com o Caburé.
— Marcou hora, princesa? — O cara falou com um sorrisinho no rosto.
— Tá me zoando, né? O Salvador virou prefeito agora? É 5 minutos só, po. — E eu continuei insistindo. O cara continuou tirando com a minha cara até que eu venci o maluco pelo cansaço muitos e muitos minutos depois. Um deles subiu pra falar com o dono sobre a minha presença ali e eu finalmente pude entrar no famoso Escritório da 1. Lá dentro estava o Salvador discutindo alguma coisa com o Márcio, curtindo o ar condicionado dele (no calor do caralho que tava fazendo) e separando notas de 50 em maços.
— Quanto tempo, hein? Achei que tu fosse ir me visitar na cadeia. — Briquei, sentando na cadeira de frente pra mesa dele. Nesse momento, ela virou o seu olhar para mim e ajeitou-se na sua poltrona.
— Tu continua gata. Achei que a cadeia fosse te matar, novinha. — Falou sério, sem me dar a devida atenção. De longe, Márcio analisava em silêncio a conversa.
— É, pois é. Não me matou, mas fodeu minhas chances de conseguir um emprego formal agora. — Dei de ombros, cruzando os braços sobre o peito e colocando uma perna sobre a mesa dela, para desviar o interesse dele do dinheiro com a minha ousadia. — Preciso de grana.
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Amor na Guerra
Romantizmㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...