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Eles passaram mais um tempo ponderando e eu fui começando a me deixar dominar pela agonia da situação. Minhas pernas tremiam mais que vara verde, mas eu continuava de pé e firme na minha posição.

— Vê ai o que tu faz. — Mandou e eu prontamente peguei o meu telefone. Liguei pro Wallace, alguém que eu sabia que tinha uma consideração dentro da comunidade, certeza que eles iam conhecer eles. — Russo? Seguinte, tem uns caras do Misael aqui que querem pular o muro. Vamo receber, né? — Perguntei, num tom dissimulado. Óbvio que ele ia estranhar, eu não tratava de assuntos assim, mas eu precisava que ele concordasse pra dar veracidade nas coisas que eu tava falando. Ele respondeu um 'vamo, vamo. É irmão nosso também', entrando na onda. Se pá ele tivesse pegado alguma coisa no tom tempo de voz que eu tinha. — Valeu, então. Vou levar eles até você ai pra tu dar a benção. — Falei e desliguei depois de me despedir. Eles pareceram bem satisfeitos. — Suave?

— Suave.

— Liga pra família de vocês ai e manda descer, então. Enquanto isso, não tem necessidade de ficar armado na frente das crianças. Deixa só ele ali com a arma que é a garantia de vocês. — Apontei pro cara que tinha a minha mãe. — Na boa, po. A gente não é parceiro aqui? Tá feito já, eu vou tirar vocês daqui pra segurança. Eu não tô armada, tô aqui de peito aberto, não sou ameaça pra ninguém. — Insisti e apesar da hesitação, eles concordaram que era razoável e tiraram os fuzis, colocando encostados na parede. Se pá como um sinal de boa fé.

Tudo tava indo bem e teria dado certo. Teria se no segundo seguinte tudo não tivesse ido pelo ralo quando os sons dos rasantes voltaram à rasgar o céu. Da parte de trás de casa, ouvimos muito tiro. Muito tiro mesmo. O rádio de um deles bipou e era aviso de reforço chegando. No mesmo segundo, os caras foram na direção do fuzil deles e eu abaixei pra passar a mão na minha arma. Na mesma hora que eu abaixei, Barbás saiu do esconderijo dele e deu um tiro só no cara que tava de pé na minha frente e que tinha a arma apontada pra minha mãe. Não deixei o susto me desestabilizar e aproveitei que de perto a glock era muito mais rápida de se manejar pra suprimir os outros antes que eles conseguissem se colocar numa posição de atirar.

Aconteceu tudo muito rápido, assim que o primeiro cara caiu, eu fui pra cima dos outros, atirando contra cada um deles muito rápido. Um deles tinha acabado de pegar no corpo do fuzil, quando eu atirei e, por causa do ângulo, pegou no topo da cabeça. Os dois seguintes nem isso, só ficaram na menção de conseguir pegar a arma. O último não chegou nem a se mexer. Ele ficou parado, olhando pra mim com a expressão de quem enfrenta a morte e olha o seu destino final bem nos olhos... nesse caso, esse era eu.

— Ajoelha, irmão. — Falei, copiando o 'irmão' do Barbás inconscientemente. Ele concordou brevemente com a cabeça e se colocou de joelhos. Não falou nada, não implorou pra viver, não se deixou parecer abalado mesmo naquele momento. Dignidade. Eu não podia deixar ele vivo, mas pelo menos eu ia dar o devido respeito à ele e à família dele. A maneira como ele se portou me fez ficar admirada pra caralho. Se um dia eu tiver na posição dele, é dessa forma que eu quero me mostrar na frente dos meus inimigos.

— Que Deus te receba. — Sussurrei, me curvando pra que ele pudesse me ouvir. Com a arma apontada pro peito dele, pro lado esquerdo, dei um tiro único e ele caiu no meu pé, com o sangue ensopando o meu tênis.

— Tu vai falar isso pra todo mundo que tu for matar? — Debochou o Barbás, vindo muito rápido verificar se todos os outros tavam realmente mortos. Olhei uns segundos pro corpo... no peito não estragava o velório de ninguém.

— Dar a extrema unção é uma benção, beleza? — Rebati.

— Receber a extrema unção do assassino é uma piada, Nina. — Falou e eu olhei pra ele com os olhos semicerrados. Eu não acreditei que ele tinha me chamado de assassina na frente da minha família. Não que fosse mentira, mas sei lá... Suspirei, negando com a cabeça. A real é que isso era o de menos, eles tinham acabado de ver eu matar, bem na frente deles. — Mas é bonito, po. Respeito pelos inimigos não é um bagulho que todo mundo tem. É honrado, tá ligado?

Eu ajoelhei na frente da minha mãe e chequei se ela tava bem, tirando os cabelos da frente do rosto dela. Depois, fui na direção dos meus irmãos e olhei um por um. Enquanto isso, o Barbás tava falando com alguém no telefone, num tom bem energético, enquanto a gente escutava os tiros. Ele fez um sinal de 'circular' pra mim e eu comecei a puxar meus irmãos pela mão.

— Bora, a gente tem que sair daqui agora. — Mandei eles correrem pela porta da frente e puxei minha mãe de pé. Se os moleques, apesar de assustados, tinham conseguido lidar na boa com tudo o que viram, minha mãe parecia completamente dominada pelo choque. Tive quase que empurrar ela até o corredor. Voltei, peguei meu fuzil e parei do lado do Barbás. — Que houve?

— Tem mais tropa dele vindo. O pessoal da traseira tá entocado. — Falou, me puxando pelo braço pra fora com muita rapidez. Já depois do meu portão, no beco onde eu morava, ele pegou o rádio.

— É pra recuar agora, parceiro. Troca tiro só pra sair, não sustenta nada, é pra sair e voltar vivo. — Mandou, olhando pro Russo que tava fazendo a mesma coisa. A gente ia recuando de costas e fazendo sinal pros caras que tavam nas lajes pra meter o pé. O tiroteiro começou a comer muito firme de novo e a gente perdeu o sinal com os caras da parte de trás. Enquanto a gente recuava, dava pra ver alguns dos caras que tavam descendo do alto serem crivados de bala. A rajada era neles agora, o que indicava que todos os que tavam protegendo as costas tinham caído. Engoli em seco, mantendo a arma levantada até sair da linha de tiro. Voltamos numa marcha corrida até o ponto de encontro, na fronteira da nossa região, protegida pelos nossos soldados. Ficamos esperando os nossos irmãos voltarem por um tempo. Alguns conseguiram descer e voltaram pra nós. Os que se safaram do alto era principalmente do lado esquerdo, do direito só um voltou. Da parte de trás, ninguém. Marcamos 15 minutos ali, todo mundo sentado no chão esperando e com o coração na mão. Entre nós, minha mãe e meus três irmãos.

Nesse meio tempo, Barbás continuou chamando no rádio até o último minuto, mesmo que ninguém mais respondesse ele. Pela primeira vez em um bom tempo, eu vi alguma emoção nos olhos daquele homem tão pouco expressivo. Era um misto de raiva e tristeza... Quando, depois de 15 minutos, não houveram mais respostas, a gente teve que seguir.

— Já era, Barbás. — Russo falou com a mesma expressão de tristeza no rosto. — Eles já foram.

William negou com a cabeça e apertou as mãos em punhos antes de se dar por vencido. Na volta, marchamos todos juntos de volta pro largo. Tínhamos atingido os nossos objetivos, a minha família tava aqui, salvos. No lugar deles, nós tínhamos perdido mais de 10 parceiros. Foi uma conta cara, bem cara... Era um número que ia nos fazer muita falta.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora