— Como foi lá? — Perguntei logo de cara, entrando e fechando a porta atrás de mim.
— Como tu acha? O Caburé era um bosta, mas o Misael supera e muito aquele filho da puta. — Ele sentou de novo na cadeira, olhando ao redor e tragando o charuto. Como ele conseguia fumar aquele troço? Só o cheiro já me enjoava.
— O que que ele falou? — Insistiu.
— Ele assumiu como o frente da favela, fez uma ceninha, semana que vem tem churrasco e show de pagode na quadra pra comemorar. — Ele riu. — E já começou a botar no nosso cu. Agora os braços dele vão ficar rodando a favela pra conferir o nosso trabalho, como se a gente já não tivesse dando conta das bocas. Acabou a farra pra gente, se sair no meio do dia pra ir na esquina e os cagoetes dele pegarem, a gente tá fodido. Foda fazer o nosso trampo assim, com nego marcando em cima de nós o tempo todo. — Reclamou. — Como se já fosse fácil.
— Ele falou isso tranquilamente? E o pessoal aceitou, Barbás? — Me parecia altamente improvável que fossem levar aquilo numa boa. Se tem uma coisa que eu aprendi nesses meses no corre é que aqui é tudo feito na base da confiança. Aqui, o papo dos caras tem que ser reto, se ele falou que vai fazer, ele tem fazer... até porque a única coisa que bandido tem pra oferecer é a própria palavra. Se o Misael não confiava em ninguém e botava gente pra espionar os outros, não ia demorar muito tempo até ele ter um problema com as bocas de fumo da favela. O povo ia se incomodar com isso...
— Claro que não, mas não dá pra contestar essa porra. O mano lá até perguntou pra que aquilo, mas o Misael cagou e andou. Ele vai botar essa gente pra ficar na nossa cola e acabou. — Explicou, dando mais uma tragada no charuto.
— Que merda... — Neguei com a cabeça, sentando na cadeira do outro lado da mesa.
— Que merda? Isso nem é o pior. Segundo ele, o cofre da Rua 1 tá vazio, o Caburé tirou dinheiro de lá e ninguém sabe onde tá pra pagar os fornecedores do mês que vem. E ele quer comprar bico novo, quer fazer festa pros moradores... Tá cheio de projetinho ele, só não sabe de onde vai tirar a nota pra fazer isso. — Contou, virando na cadeira.
— Ele quer mídia, mas sem dinheiro ele não vai fazer, ué.
— Não vai? Isso é o que tu acha. Esse merda vai tirar dinheiro da gente. Ele avisou que vai aumentar a taxa do comando a partir dessa semana já. Agora ele que 70% do lucro todo daqui e a gente que se foda pra pagar vocês. O dinheiro maneiro que a gente tira aqui já era.Eu suspirei e passei a mão na testa. É, a merda tava feita, era óbvio que aquela situação com o M7 não ia se sustentar por muito tempo. Ele já não tinha a simpatia da maioria dos caras, agora então... ia ser difícil engolir as coisas que ele tava botando na nossa goela. A Rocinha estava um barril de pólvora e as coisas só iam piorar se fosse naquele ritmo. Eu entendia porque o comando o PPG tinha escolhido o Misael, ele era forte na hierarquia, mas na boa? Ele tava longe de ser o melhor cara pra assumir o posto de dono daquela favela.
— Tenho mais de 10 anos de tráfico nas costas. Eu nunca vi ninguém fazer do jeito que ele tá fazendo. — Negou com a cabeça.
— Tu acha que vai dar merda?
— Acho que ele vai provocar um racha na gente e não vai demorar desse jeito. — Falou com sinceridade, me olhando nos olhos. — Dependendo do que ele fizer, aposto que não chega nem há um ano de comando.
Franzi a sobrancelha e fui pro lado dele, sentando no seu colo. Ele afastou um pouco a cadeira dele pra me dar espaço.
— Você tá fazendo alguma coisa por trás? — Perguntei, me preocupando na mesma hora. Cara... aquilo era muito arriscado. O Misael teve a coragem de meter a faca nas costas do Caburé porque ele tinha gente esquentando as costas dele. A gente não tinha nada, estávamos na retaguarda. Se desse mole ali e o M7 desconfiasse, só desconfiasse...
— Por que tu acha isso? — Perguntou, segurando meu pulso.
— Você tá falando com muita certeza. Responde ai, vai.
— Não. — Ele falou depois de um tempo. Certeza que o objetivo dele era me matar de nervoso. — Por enquanto não, mas eu não vou ficar de guarda baixa com ele. O Misael não vai me pegar com a mão nas costas. — Falou, olhando pra mim e diminuindo o tom da voz. — Eu, o seu irmão e o gerente da Larissa, o da Vila Verde, vamos começar a guardar o dinheiro de caixa que bater pra gente. É capaz do da Cachopa também, porque o cara é gente fina e é meu amigo. Não é pra nada de início, é só uma reserva pra caso...
— Pra caso vocês tenham que ir contra o comando da 1? É isso? — Eu já tinha entendido tudo.

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Amor na Guerra
Romansㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...