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— Oi, meu amor. — Ouvi a voz bem humorada do M7 do outro lado. — Tão te tratando bem ai? Meu amigo me ligou pra contar.

— Melhor do que vão te tratar na hora que tu cair, pode ter certeza. — Respondi com toda a veneno que eu tinha. A dor do arranhar nas cordas vocais valeria 100% a pena se eu conseguisse tirar ele do sério. Eu já tinha sido descoberta de qualquer jeito, pelo menos eu ia ser feliz um pouco.

— Oh, que isso?! Achei que tu tinha ido ai me dar uma força e tudo... — Ele riu junto com o Pirraça. — Não tô te entendendo.

— Tu entendeu muito bem.

— Entendi, po. Na real, eu entendi sim. Só não achei que tu fosse ter a coragem de fazer o que fez, tu me deixou de cara contigo. — Disse. — Na boa, o que tu achou que ia acontecer?

— Você sabe bem o que eu vim procurar aqui, tu só não vai falar, porque quer que eles me matem. — Murmurei. — Mas fica ciente que na hora que eu morrer, você tá fodido porque a tua casa vai cair. Eu preferia estar aqui pra ver, mas se eu não puder, eu volto pra puxar teu pé e levar sua alma embora. Prometo isso pra tu.

Ele ficou calado um tempo, provavelmente eu tinha atingido o meu objetivo, mas certeza que ele não ia deixar escapar nenhum detalhe que fosse me ajudar a ter o mínimo de crédito ali. Mesmo nervoso...

— Pirraça? Tá ai, parceiro? — Falou, depois de alguns segundos.

— Fala tu.

— Passa essa doida ai. É como eu te falei, mancomunadinha com o vagabundo do namorado dela, que tá a frente da invasão na parte baixa, tá ligado? — Joguei o celular na minha frente e me encolhi no meu canto. Pirraça pegou ele e deu um chute na minha perna pela malcriação.

— Corajoso eles, hein? — Debochou.

— Fala pro Mandarim que amanhã mesmo eu mando mais um de fé ai pra falar com vocês. — Ouvi ele dizer.

— Suave, meu parceiro.

— Só me faz um favor e dá uma apertada legal nela ai antes de se livrar da vagabunda. Tu vai ver que ele vai te contar uma história boa pra caralho, é atriz essa ai. — Riu de novo. Ele devia estar muito feliz mesmo. — E avisa que eu vou deixar o viúvo dela saber onde cês enterraram ela, valeu? Pra depois não falarem que eu sou ruim.

— Valeu ai. Te ligo quando tiver feito. — Falou e desligou, dando as costas pra mim. Eu me encolhi ainda mais, apoiando a cabeça no tijolo. Eu só precisava de um segundo, só precisava olhar pro Carlos uma vez só. Uma vez só... Eu não tava puta de morrer, sabia que o que ia acontecer ali ia dar uma merda muito grande pra todo mundo e ia abrir a porta que o meu pessoal precisava.

Mesmo assim, aceitar passivamente a morte não era algo que combinava comigo. Nem de longe... Eu ainda acreditava que a correnteza não ia me levar pra curva do rio.

Nos minutos seguintes, eles voltaram trazendo uma cadeira e cordas. Me pegaram pelos cabelos, do jeito menos delicado possível. Pirraça amarrou meus pés aos pés da cadeira e minhas mãos por trás do encosto da cadeira, deixando minha barriga exposta.

— E ai? Que que tu tem pra me contar? — Perguntou ele. Sabia que nada do que eu dissesse ia fazer ele acreditar na minha história, mas eu tinha que aguçar a curiosidade dele. De um jeito ou de outro, eu tinha que fazer ele ao menos ficar com a pulga atrás da orelha. Só aquilo era o suficiente pra tirar a prova dos 9.

Só que eu não tive tempo nem de começar a verbalizar as coisas que eu queria. Com um pedaço de madeira, ele deu o primeiro golpe no meu abdômen com toda a força que tinha. No mesmo momento, eu senti o ar me faltar na hora. Não consegui nem gritar pela dor, só tentei puxar o ar de todo o jeito. Era uma sensação desesperadora. Um pontada lancinante no lugar do impacto quase deu um apagão na minha mente, fazendo eu me curvar pra frente numa tosse desesperada. O ar entrou nos meus pulmões ruidosamente poucos segundos depois, num murmúrio sôfrego.

— Começa a contar, filha. — Mandou. — Conta ai o que tu veio fazer aqui.

Não consegui dizer uma só palavra, por mais que eu quisesse muito. A dor na barriga não me deixava pensar, não me deixava elaborar nem uma palavra de três letras e significado simples. E assim foi por longos segundos, segundos que se passaram como uma eternidade sob a ameaça de receber um segundo golpe.

— Eu vim... — Começei, mesmo sem conseguir dar prosseguimento de imediato. Tava me comprando tempo. — Vim atrás de uma pessoa.

— Que pessoa?

— Do marido da minha mãe. — Pausadamente, eu ia enrolando eles pra conseguir me recuperar. — O nome dela é Cláudia.

Se eu chegasse lançando um 'ei, eu sou filha do Mandarim' nenhum deles ia me dar a menor bola. Ninguém ia acreditar em mim, provável que nem soubessem que eu existia. O que eu precisava fazer era jogar iscas, jogar informações que fossem convincentes o suficiente... Fui acertada com mais uns tapas na cara, o suficiente pra deixar meu rosto quente.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora