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Eu concordei com a cabeça, dando de cara com a Nina na ponta da cama e fazendo um carinho nos pés cobertos do meu filho. Baixinho, ela falava com a Shirley. Como nem eu e nem a Larissa podíamos sair da favela (correr risco de ser preso naquela hora era inviável, a polícia ia começar a marcar em cima por causa dos tiroteios), a Xica ia ficar com ele e dando notícias pra gente. Quando as coisas se acalmassem, a gente se disfarçava pra visitar o Pedro. Era assim que a gente planejava.

Sai de perto contra a minha vontade. Eu deixei um pedaço do meu coração e da minha alma com ele e sai. Fui pro lado de fora e fiquei do lado do carro que veio buscar o Pedro. Depois de alguns minutos, eles trouxeram ele e o colocaram lá dentro pela porta de trás com a Xica no encalço. A ambulância saiu, levando o que eu tinha de mais precioso. Fechei os olhos culpando aquele merda por tudo o que tinha dado de errado, pela covardia dele. Antes era um questão de negócios... ele dirigia a porra das bocas de um jeito arbitrário, que prejudicava todo mundo ali. Agora era pessoal.

Fiquei um tempo ali, apertando minhas mãos em punhos, sentindo a raiva me queimar inteiro. Eu fui direto pra minha moto e arranquei, deixando a Nina e os dois seguranças que tavam me seguindo pra trás. Eu queria ficar sozinho, eu queria descontar aqueles sentimentos em qualquer coisa que tivesse na minha frente. Subi direto pra casa, no meio da Cachopa, e larguei as armas no sofá, olhando com ódio pra tudo ao redor. Gritei, dando a porra de um soco na mesinha de centro. Soquei aquela porra tantas que o vidro do centro quebrou em mil pedaços no meio da minha sala. Meu punho tava brilhoso com os microfragmentos do vidro entranhado entre os meus dedos. Devia doer, mas eu não sentia nada. A raiva anestesiava todo o resto...

Chutei o balcão de mármore e as mesas de canto. O abajur no canto foi direto pro chão, assim como tudo o que tava na estante. Todos os pequenos enfeites da minha época de casado foram numa passada só de mão.

Ai eu passei perto do espelho do bar e me vi. Me vi e senti raiva de mim... e o vi o ódio faiscando no olhar. Dei um soco naquela merda, estilhaçando o material que não se desprendeu da parede imediatamente. Um distorção de mim mesmo, fragmentado em muitos pedaços... era assim que eu me sentia. Eu ia socar mais uma vez, alguém segurou meu punho e puxou pra baixo.

— Para com isso, meu Deus. — Perguntou, com os olhos vermelhos e uma expressão de infelicidade estampada no rosto. Eu empurrei ela na mesma hora instintivamente. — Tá maluco?

Eu fechei os olhos e virei de costas pra ela, andando na direção contrária. Eu não era nem de perto uma boa pessoa nessa hora, por isso eu queria ficar sozinho. Essa filha da puta tinha que se meter nos meus assuntos, como sempre, né?

— Vai embora nessa porra. Agora. — Mandei, já do outro lado de sala, olhando pro sangue acumulado nos nódulos dos meus dedos.

— Como assim embora? — Perguntou, insistindo e vindo pra perto de mim. Eu apontei pra ela em advertência e o meu olhar deve ter feito ela parar no meio de caminho. — Tu precisa de mim, porra.

— Eu não preciso de ninguém, bota isso na porra da tua cabeça. Se bota na porra do teu lugar, mina. — Falei pra ela em um tom ácido, com a mandíbula trancada. Na mesma hora ela me olhou com uma expressão ferida e eu quase me arrependi de dizer aquelas palavras no impulso. Quase. Eu me sentiria mal se o ódio não tivesse nublando todos os meus outros sentimentos. Eu queria matar alguém com as minhas mãos.

— Olha só seu filho da puta ingrato, você não precisa de uma mulher, precisa de uma babá porque tá com a cabeça enfiada no cu e não para de fazer merda. — Disse entre dentes, limpando todas as lágrimas que ameaçaram deixar os seus olhos com rapidez. — Tu depois o portão aberto, não viu se ninguém te seguiu, não deixou ninguém pra vigiar a entrada da rua pra você. Tu tá se esquecendo do que tá rolando? Do que tu mesmo decretou? — Acusou, se aproximando muito rapidamente na minha direção e socando o meu peito.

Eu fiquei de cara com a ousadia dela. Não demorei pra agarrar os pulsos dela com força e forçar ela contra o sofá, imobilizando-a.

— Tu tá maluca de me bater, porra? Se eu revidar tu vai fazer o quê? — Gritei pra ela, que perdeu a postura deitada ali contra a vontade dela. — Hein, caralho?! Me responde, filha da puta. — Ela se encolheu, forçando os braços pra cima num gesto de autoproteção... querendo proteger o próprio rosto. Medo. Ali eu parei... Larguei ela muito rápido e virei no sofá, levando as duas mãos ao rosto e gritando com ódio. Levantei, sem olhar pra ela e fui pra cozinha, chutando os móveis de metal. Completamente desequilibrado.

Fechei os olhos e andei ao redor da ilha, querendo recuperar o controle sobre mim. Procurei nos armários qualquer coisa forte, terminou que eu achei a metade de um Whisky e virei inteiro na boca. Em poucos goles matei a garrafa. Sentei no banco e apoiei os cotovelos na bancada, apertando meus olhos com toda a força.

— Seu cuzão. — Ouvi a Nina me xingar baixinho e virei pra olhar pra ela. As lágrimas escorrendo pelo rosto dela só fez eu ficar com ainda mais ódio de mim. — Se você fizer aquilo comigo de novo, eu vou quebrar o teu pau.

— Não era pra ter acontecido, mina. — Sussurrei, apertando os punhos com força. Era foda, eu não sabia sabia pedir perdão, mas eu esperava que ela entende. Ela tava bem hesitante pra me tocar de novo, eu notei. Era melhor que ela ficasse longe de mim por enquanto mesmo. Nina deu meia volta e voltou de onde veio sem dizer mais nada. Eu jurei que ela tinha ido embora, mas ai a mina voltou com uma garrafa de Tequila e dois dos copos de shot que tinham sobrado no bar. Ela botou um na minha frente e encheu até a boca, depois fez o mesmo com o que tinha separado pra ela. Ai ela virou tudo de uma vez, sem limão nem nada. Fiz o mesmo.

— Não me chama de mina, eu não sou qualquer uma. Odeio quando tu não fala o meu nome.

— Nina. — Falei, botando mais tequila no meu copo e virando. O calor do álcool aqueceu meu corpo e eu respirei profundamente. Continuei sentado, olhando pro nada e bebendo junto com ela. Em silêncio... a gente não precisava dizer nada um pro outro pra saber o que se passava.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora