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— Eu também preciso de grana. — E levantou o maço que tinha na mão.

— Eu preciso mais. — Insisti no assunto, notando a esquiva dele. Márcio se moveu na minha direção como se quisesse me fazer parar de falar.

— Acontece que eu não sou a porra de um banco, tá ligado? Tu já se esqueceu da dívida dos advogados que tu tem comigo? — Ele largou o dinheiro e se inclinou na mesa para me olhar. — Tenho cara de Crefisa pra você?

— Não tô pedindo dinheiro emprestado, porra. — Semicerrei os olhos, sabendo que provavelmente eu não deveria estar falando assim com ele. — Eu quero trabalhar. Eu não posso sair da favela, porque tô em condicional, mas eu preciso de um trampo. Você é o maior empregador daqui, né?

Ele parou por um momento, levando uma mão ao próprio queixo. Parecia pensativo.

— E aquele lance do "fazer as coisas na encolha"? Já não vale mais nada? — Ele perguntou, acho que verdadeiramente curioso dessa vez. Da primeira vez que eu tinha vindo "pedir trabalho" pra ele, eu tinha explicado que não poderia me expor por causa da minha mãe. Bom... naquele momento já não fazia mais sentido me resguardar daquele modo, ao menos não por aquele motivo.

— Minha mãe não fala mais comigo. — Falei de uma vez só e ele não pareceu nada surpreso com a situação.

— Saquei qual é a da parada. — E pegou um cigarro, colocando-o na boca e o acendendo. — Sabia que isso ia acontecer uma hora, ser da firma não é uma coisa que dá pra tu esconder, tá ligada?

— Eu não era da firma. Eu só fazia uns trampos pra você. — Rebati, apoiando meu cotovelo na mesa dele. — Mas agora eu quero ser. Me bota numa posição maneira ai, eu aprendo o que tiver que aprender.

Ele não falou nada, mas rodou na cadeira de rodinha e deu uma boa tragada no cigarro de maconha, baforando no meu rosto. Fiquei puta pelo desrespeito, mas sabia que não podia falar nada. Filho de uma puta mal paga...

— Tranquilo então. — Disse por fim, abrindo uma gaveta e tirando uma pistola preta de lá de dentro. Ele botou um pente nela e testou a trava, antes de estender ela na minha direção. — Pega ai, é tua. Vou te colocar numa boca que tá precisando de mais uma pessoa lá pra vender e fazer o caderno de conta, sabe qual é? Sorte tua, novinha. — Apontou pra mim com o dedo cheio de anéis. — Sorte tua tu ser gostosa e eu gostar de você. Fica me devendo uma.

— Eu sei ser grata, Caburé. — Peguei meu "instrumento de trabalho" e sorri para o homem na minha frente. — Valeu, po.

— Tu pega 500 por semana. O extra fica por conta do teu gerente, se ele quiser te dar. E ô, faz o bagulho direito que aqui a chance é uma só, hein? O dinheiro do teu advogado a gente vai vendo como vai ficar ao longo desses dias, mas fica sabendo que eu vou cobrar.

— Tranquilo. — Concordei, acenando com a cabeça. — Onde é a boca? Quando eu começo?

— É na Barcelos, uma das melhores, hein porra?! Tu começa amanhã, brota lá as 8h. Vou falar com o gerente hoje sobre tu. — Explicou.

— Obrigadão, Salvador. Eu nem sei o que eu tu não fosse tão firmeza.

— Firmeza contigo. — Afirmou dando ênfase no "contigo". Ele se levantou pra abrir a porta do escritório pra mim sair, mas antes de me deixar passar, agarrou meu rosto e deu um beijo perto da minha boca. Eu entendi as intenções dele, mas tentei abstrair e meter logo o pé. Desci as escadas rapidão, notando como o Márcio já tinha ralado dali e eu nem tinha notado. Guardei a pistola na cintura e fui descendo a rua de boa.

Eu tava meio perdida, com um aço incomodando minha cintura. Cara, agora sim eu botei pra foder de verdade. Se antes eu peguei 12 anos por transportar um negocinho, imagina agora que eu tinha me envolvido de verdade. Puta que pariu, o que eu tinha na cabeça? Foda. Suspirei, lembrando da minha mãe. Dona Cláudia devia me odiar muito agora, eu esperava que nunca topasse com ela nas ruas por ai, não queria envergonhar a coroa mais uma vez passeando com uma arma pra cima e pra baixo no bairro. Na verdade, eu queria muito me esconder da minha família toda... Como eu ia explicar pros meus moleques que eu trampava numa boca agora? E meus irmãos... cacete, eles deviam estar muito grandes agora. Eu não sabia mais, fazia mais de 3 anos que eu não via nenhum deles.

Longe nos meus pensamentos, eu nem vi uma mina vindo na minha direção. Eu bati de frente com ela, ombro com ombro, e nós duas caímos com o impacto. Levantei meio cambaleando e já ia pedir desculpas quando a garota resolveu me dar um empurrão e me derrubar no chão de novo.

— Qual foi, sua piranha? Tá me vendo não? — Falou com uma voz rançosa.

— Foi sem querer, porra. Tá maluca? — Perguntei boladona já. Que abusada do caralho.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora