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Corri pelos corpos jogados ali até o muro todo crivado de balas... Foi puta doloroso ver o lugar onde eu tinha crescido estar igualzinho à um queijo suíço por minha causa. Eu só queria que o pessoal que tava lá dentro continuassem inteiros, o resto a gente dava um jeito. Passei o fuzil pra trás e peguei a pistola, passando devagar pelo portão. Abri a porta com uma mão e entrei na atividade, olhando pros lados. Meu caçula, o Jean, veio correndo e pulou no meu colo. No seu rosto, uma expressão de puro pânico. Ele me abraçou com força e eu ninei ele um tempinho.

— Calma, meu amor. Tá tudo bem agora. — Disse, passando as costas da mão que segurava a pistola nos ombros dele, colocando no chão logo em seguida.

— Não tá não. — Disse, choroso. Os olhos se enchendo de lágrima. Limpei o rosto ele com a mão livre. Barbás parou atrás de mim, olhando pra casa com desconfiança.

— 'baixa a guarda não, Nina. — Ele disse, com o fuzil na mão e apontando pro único corredor da casa. Olhei pra ele em confusão. — Sei lá, irmão. Foi muito fácil.

A verdade é que tinha sido mesmo e eu tinha a mesma sensação que ele. Olhei pro Jean e passei a mão na cabeça dele, que chorava pra caramba. Porra, ele era tão novinho pra passar por essas coisas.

— O que foi? Cadê todo mundo? — Perguntei e ele apontou pra cozinha. O que tem lá? — Insisti e ele apontou pra arma que tava na minha mão, enquanto limpava os olhos.

Eu e o Barbás nos olhamos por alguns segundos e pensamos exatamente a mesma coisa. Mandei o Jean ir lá pra fora e nós dois avançamos a passos lentíssimos. Assim que despontamos no portal da cozinha, um homem que tinha os cabelos da minha mãe enrolados na sua mão gritou e sacudiu ela, apontando a pistola diretamente pra sua cabeça. Meus irmãos estavam no canto, encolhidos e acuados.

— Calma ai, cara. — Falei, notando o estado de nervos que tava ele. Atrás, uns 5 ou 6 homens pareciam igualmente inquietos. A casa tava cercada e eles presos ali.

— Larga a arma nessa porra ai. — Mandou e eu hesitei. Não queria virar refém que nem a minha família, mas certeza que não ia dar pra negociar de maneira mais neutra. — Anda, caralho. Quer que eu passe essa vagabunda aqui? E aqueles moleques ali? — Um deles deu um tapa na cabeça do Luan e eu senti meu rosto ficar quente de raiva. Lentamente eu abaixei e botei a pistola no chão, depois desprendi o fuzil e coloquei do lado.

— Não adianta tu me pegar de refém, amigo. A casa tá cercada, pra tu sair daqui vivo, eu sou a tua chance. É comigo que tu tem que negociar. — Falei, num tom falsamente calmo quando eles ameaçaram vir pra cima de mim. — Sem esculacho.

— Sem esculacho é o caralho, sua puta. Eu quero sair daqui. — Ele gritou e balançou a cabeça da minha mãe de novo. Engoli em seco, olhando discretamente pra trás, só pra notar que o Barbás não tava mais ali comigo. Pelo reflexo do espelho, eu vi ele dentro do quarto, fazendo o sinal de calma com a mão.

— Eu te tiro daqui. Eu te dou o que tu quer e tu me dá o que eu quero, é uma troca. Tu solta eles e eu vou contigo até a fronteira. Vocês todos atravessam vivos e eu volto pra cá. Todo mundo sai ganhando. — Negociei, surpresa com a firmeza da minha voz. Ele riu.

— Tá maluca? Se eu sair daqui sem essa vagabunda aqui, eu vou morrer, caralho. Se eu falhar na minha missão, eu morro nessa porra. — Gritou, jogando a dona Cláudia no chão, de joelhos na sua frente. Senti meu coração pular uma batida.

— Amigo, com todo o respeito ai, mas se o que tu quer é sair daqui com ela, esquece, tá ligado? Isso não sou eu quem decide, o que eu posso fazer por vocês é garantir a vida de vocês, mas nenhum dos meus parceiros vai deixar tirarem ela daqui. — Disse. — Se é medo do Misael passar vocês o que vocês tem, então pula pro lado de cá, simples. Aproveita que o muro tá baixo e ninguém vai quebrar vocês aqui.

Ele riu de nervoso de novo e todos se entreolharam. Era uma opção à que eu tinha oferecido pra eles, talvez a única.

— É a tua vida o que tu quer, né? É a única forma de tu ter. De vocês todos terem.

— Eu tenho família, porra. Se eu trair o chefe, ele vai ir fazer mal pros meu filhos. — Falou um deles.

— Liga pra tu mulher e manda ela descer o morro agora, simples. Ninguém esculacha morador não, cara. Não do nosso lado, pelo menos. — Disse.

E ai eu vi dúvida no olhar de cada um deles. Se entreolharam de novo e de novo.

— E o que garante que não vão passar fogo na gente assim que sairmos daqui? — Perguntou um deles.

— Eu, ué. Eu garanto, se eu falei que vou garantir a vida de vocês, então eu vou. Se eu trair vocês, eu morro, simples. — Expliquei a lógica. — E ai, vamos fazer?

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora