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Cruzei os braços e fiz uma careta marcada pelo receio... o medo. Eu era corajosa, conseguia engolir aqueles sentimentos e seguir em frente, mas parte de mim queria correr pra casa e me enrolar num edredom e nunca mais sair.

A pequena multidão começou a meter o pé, cada um pro seu posto pra prosseguir na própria missão e eu fui acompanhando o pessoal. Os seguranças da Barcelos que estavam ali presente, estavam especialmente nervosos com a notícia. Os moleques não falaram nada, mas tava explícito na cara dele que estavam se cagando. Ainda mais agora que nós tínhamos perdido 2 deles na última operação: um foi preso e o outro morto. Enquanto descíamos à pé da quadra, até o final da Rua 1, onde as motos estavam estacionadas, o Barbás foi conversando com eles. Eu estava de trás escutando a conversa e ali eu entendi o porquê ele era um líder puta respeitado na área dele. Ele tava tentando fortalecer e motivar os moleques, à tranquilizar eles, dizendo que as coisas iam ficar namoral... no final do dia, aquela não era a primeira vez que eles iam enfrentar um bagulho daqueles. Os dias na favela nunca eram tranquilos, nem os moradores tinham paz plena, imagina quem era envolvido. Aquele era o preço do dinheiro e da fama que tu ganhava na comunidade, segurar uma arma significava estar em guerra e arriscar a própria vida pelos teus irmãos.

Barbás falava com muita tranquilidade pros seguranças e acredito que a postura segura dele tenha servido como um bom consolo para os garotos, que acreditaram nas coisas que ele dizia. Descemos todos direto para a boca, afinal, tinha trabalho pra se fazer. Podia estar o pau quebrando, mas o fluxo não podia parar de funcionar. Daqui a pouco teriam um monte de playboys e noiados na nossa porta pra comprar droga, tinha que ter alguém lá pra vender.

Eu peguei carona com a Shirley, mas continuei muda. Sei lá, não queria atrapalhar o momento com as minhas preocupações, então só fiquei de boa ali. Chegamos rápido até a Barcelos e, como já era meio tarde, todo mundo começou a correr pra arrumar a venda da rua, levar a carga, municiar as armas, enfim... toda aquela correria de sempre. Em 30 minutos a gente conseguiu abrir e aquele tempo foi um puta de um record. Enfim, estavamos de volta na nossa programação normal. Fiquei um pouco com a Xica na banca, vendo se ela estava precisando de alguma coisa, antes de entrar pra começar a limpar tudo e cozinhar pros moleques. Tava pensando em fazer uma lasanha ou algo do tipo hoje, pra levantar um pouco o hype dos seguranças e pa... Eles iam curtir, com certeza. Pra isso eu precisava de dinheiro, então, fui direto ao "cofre", que tava trancado na sala dele desde que nós tinhamos chegado.

— Tô entrando. — Falei, depois de ter batido na porta algumas vezes. Lá dentro, Barbás estava escrevendo alguma coisa no caderno de contabilidade, enquanto rabiscava outros bagulhos num outro pedaço de papel. A mesa tava uma bagunça do caralho. Aliás, a sala toda tava um rebu e ele tinha um cigarro na boca, causando uma pequena nuvem de fumaça ao seu redor. Uma bagunça completa. — Eita... tu quer que eu dê um jeito nessa sala aqui? Eu só não limpei porque tu nunca deixou.

— Entra e fecha a porta. — Mandou, ignorando minha pergunta. — Quero falar uma parada contigo.

Fiz o que ele disse, me escorando na porta de madeira escura e olhando pra cara dele. Na boa, o Barbás tinha uma cara clara de cansaço, mas eu preferi não falar nada. Aliás, como ele não me deu brecha nenhuma, eu fiquei por ali mesmo, mantendo uma distância segura. Com ele nunca dava pra saber como seriam as coisas de verdade.

— Que foi? — Perguntei, batendo a mão de maneira ritmada na madeira.

— Senta ai. Tá com medo de mim? — Falou, apontando pra cadeira, que ficava do outro lado da mesa dele, com a cabeça.

— De você? — Debochei, aproveitando a oportunidade pra me jogar na tal da cadeira da maneira mais espalhafatosa possível. A fumaça do cigarro entrou meu rápido pelo meu nariz e eu tive que tossir. Não foi bem minha intenção, mas serviu a um propósito, já que o Barbás apertou a ponta do cigarro num cinzeiro (já bem cheio, por sinal) e jogou o restante lá dentro, junto com os outros.

— Não era pra tu fumar dentro de lugares fechados, né? Não quer mesmo que eu limpe essa sala?

— Não, eu não quero, até porque tu não vai mais limpar porra nenhuma. — Falou de uma vez. — Eu não preciso de uma empregada. Preciso de alguém que saiba atirar e defender o ponto. — Ai ele abriu uma gaveta e tirou a pistola que tinha me confiscado na semana passada, jogando ela na minha frente.

— Ai já tem o primeiro problema. Eu não sei atirar. — Mandei de uma vez, quanto mais eu enrolasse, pior. — Quer dizer, com isso aqui não deve ser difícil. É destravar e apertar o gatilho, né? — Falei, pegando a pistola e dando uma boa olhada nela. — Mas o fuzil tem um monte de peças, de alavancas, olha o tamanho desse troço.

Ele ficou quieto, olhando pra mim por um tempo. Devia estar pensando em alguma coisa...

— Eu ensino. — Disse, finalmente olhando pra mim de volta.

— Ensina? Sérião? Quando?

— Sim, po. Aquele campo onde o Caburé falou hoje, o pessoal usa pra treinar tiro. Bora passar lá a noite. Às oito tá de boa pra tu?

— Tá, por mim tá 10. — Confirmei, tentando fingir que não tava empolgada. Porra, finalmente eu ia ser levada a sério naquele caralho de boca. Meus dias de empregada tavam acabados. — Vou poder voltar a andar com arma agora?

— Claro, porra. Tu já viu alguém traficar sem arma? — Rebateu.

— Mas eu não trafico nada. Não diretamente. — Constatei o óbvio.

— Mas vai...

— Não é pra isso que tu entrou pro tráfico? Pra traficar? — Girou na cadeira, estalando os dedos das mãos.

— É, eu não tava contando que fosse ser virar a empregada. — Dei de ombros, recostando na cadeira. — Mas a gente aceita o que Deus dá pra gente e segue em frente.

Ele deu um sorrisinho sacana de canto, devia estar achando muita graça da minha cara de otária mesmo. Ai Barbás afastou a cadeira uns centímetros e bateu a mão na perna dele, me chamando pra ir até lá. Eu nem tentei resistir, até porque eu tinha sentido saudades de olhar pra aquela cara de cu dele nos dias que eu fiquei em casa de folga. Era estranho, eu tinha muita raiva e muito tesão daquele homem ao mesmo tempo, ele mexia com a minha cabeça, na boa.

Sentei no colo dele de maneira bem comportadinha a primeira vista, a primeira coisa que ele fez foi levantar a minha blusa e ver como estava o estado da minha barriga.

— Nem sabia que cê fumava. — Comentei, passando as unhas na nuca dele e sentindo o arrepio nos pelos do braço do homem.

— Só quando eu tô puto... ou nervoso, ou irritado. Por ai, irmão. — Explicou, puxando uma das minhas pernas, para que eu me sentasse de frente pra ele, uma perna de cada lado do seu corpo.

— Tu anda bastante puto ultimamente. — Apontei pro cinzeiro.

— Tem como ser diferente? — Seu tom de voz estava mais suave, apesar na lingua continuar afiada.

— Tu pareceu bem de boa com as coisas que o CR falou.

— Tem que parecer, né? Se eu ficar maluco, quem vai botar esse povo todo na linha? — Falou com bastante sinceridade. — Passei por isso várias vezes, já, mina. Faz parte, tá ligada? Não é sempre que o morro tá em paz não.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora