— Cê me trouxe aqui para... — Eu não consegui terminar a frase quando notei um trio de garotos morenos, de idades diferentes, parados no muro da escola. Meu garotos.
— Tu não queria ver teus irmãos? Encheu o saco a semana passada toda falando nisso.
— Como tu conseguiu? Minha mãe sabe? — Eu tinha medo de que a dona Cláudia soubesse, eu não queria ver ela de novo e enfrentar o julgamento da mulher que eu mais amei e admirei nessa vida.
— O namorado da tua coroa facilitou. Ela não sabe de nada, se souber, eu vou pegar aquele endoleiro fudido da porrada. — Ele falou, descendo da moto e travando ela no pézinho.
Eu fiquei paralisada, olhando pros garotos do outro lado da rua. Eles foi andando na frente, mas como viu que eu não acompanhei, voltou com uma cara de interrogação. Fiquei ali, admirando aquelas três figuras que eu conhecia, estavam tão iguais à quando eu tive que deixar eles, mas ao mesmo tempo, tão diferentes. Andrei parecia ter duplicado de tamanho, parecia ainda mais alto que eu (não que eu fosse um grande exemplo de pessoa alta), o Luan estava indo pelo mesmo caminho. O caçula, o Jean, também tinha esticado alguns bons centímetros e não tinha mais a carinha de criança que eu tanto amava dele. Meu pai do céu, quanto tempo tinha passado?
— Que foi? — A impaciência na expressão dele me fez desviar os olhos do trio.
— Eu não sei... Faz muitos anos que eu não vejo eles. Eles tão tão grandes, tão bonitos. Ai porra... — Passei minhas mãos pelos braços, sentindo um frio esquisito. — Eu tô nervosa. E se eles não me reconhecerem?
— Tá doida? Desde quando os moleques tem amnésia? — Ele não conseguia entender o que eu sentia, claro... Barbás era insensível pra cacete na pior parte do tempo, mas eu estava muito grata por ele ter me dado essa chance de rever os garotos. — Vem. — Mandou, indo na frente.
— Pera. — Pedi, tirando a pistola da cintura e dando na mão dele. — Fica com ela pra mim, na boa? Depois eu pego de volta.
Ele demorou um pouco, mas aceitou quebrar aquela pra mim. Eu não precisei dizer que não queria que eles me vissem com uma arma na cintura, acho que aquilo sim ele pode entender. Ai nós atravessamos a rua pra encontrar os meus amores.
— E ai, Andrei. Tranquilidade? — Perguntou ao meu irmão mais velho, que bateu a mão na dele. — Tem gente doida pra ver vocês ai. — E apontou pra mim, que tava várias metros atrás.Ele se moveu pra me olhar e seu queixo caiu. Acho que ele não acreditou que eu estava ali e por isso, demorou pra se mover. Todos os outros meninos vieram pro lado dele, olhando pra mim com a mesma cara de surpresa.
— Nina. — Jean foi o primeiro a vir correndo na minha direção. Ele pulou no meu colo igual fazia quando era novinho, tirando que dessa vez, eu não consegui segurar ele por muito tempo. Ele, por ser tão novo quando eu fui presa, foi quem eu mais tive medo de não lembrar de mim... mas ele lembrava.
— Meu Deus, tu cresceu tanto, garoto. — Eu beijei a bochecha dele umas mil vezes, me abraçando com força ao corpinho dele. — Tá grandão o meu bebê... — Meus olhos começaram a se encher de lágrimas.
O Andrei e o Luan vieram logo depois, juntando em mim para um abraço coletivo. Eu nem notei quando comecei a realmente chorar muito, só sentia as lágrimas descendo pela minha bochecha em gotas grossas, as quais eu ia limpando com as costas da mão.
— Tu saiu quando da cadeia, Nina? — O Andrei foi o primeiro a perguntar.
— Vai fazer um mês esse semana. — Falei baixo.
— E não foi lá em casa ver a gente quando chegou? — Luan perguntou por cima do irmão.
— Cê sabe melhor que eu que a mãe não vai deixar, né?! — Respondi de maneira meio vacilante. Porra, eu era muito chorona.
— Mas a gente queria te ver. — O Jeanzinho disse, me deixando com 3x mais vontade de chorar.
— A gente sentiu saudade. — Andrei falou por sim, voltando a me abraçar. Quando foi que ele tinha crescido dessa maneira? O meu moleque estava se tornando um homem mesmo.
Olhei pro Barbás, que estava encostado no muro da escola, olhando pra mim com um sorriso disfarçado no rosto. Ele levou a gente pra tomar um açaí numa sorveteria que tinha ali perto (e bancou, até porque eu tava mais dura que pedra... o dinheiro dessa semana eu dei todo pro CR, pra começar a quitar minha dívida). Ele parecia conhecer o mais velho e eles falaram entre si pra cacete, enquanto eu contava altas histórias da cadeia pros mais novos (eles achavam graça e não me julgavam, então, foi uma maneira de me aproximar de novo dos garotos). Depois, William conseguiu captar a atenção de todos eles, e a minha também, contando histórias das coisas que ele já tinha passado na vida. Silenciosamente, eu pedi encarecidamente que ele escondesse as armas e ele fez da melhor maneira que pôde, o que não foi lá muito efetivo. Como é que se esconde um fuzil, né?! Ele botou embaixo da mesa, mas o Jean acabou encontrando e achou muito divertido ficar mexendo na trava. Eu tava quase tendo um treco, mas o Barbás ria e dizia que era difícil destravar.Na real, eu odiava a ideia dos garotos mexendo naquilo. Eu não queria que eles se fascinassem tanto pelo tráfico, mas na boa... era quase impossível impedir isso. A gente convivia desde cedo com o pessoal do movimento. Quem tinha dinheiro, fiéis bonitas, motos caras e correntes de ouro eram traficantes. Quem se dava bem, era envolvido. Era quase normal que os moleques da favela quisessem ser bandidos e minas... bem, as minas queriam namorar esses bandidos. A realidade era desse jeito.
Logo deu a hora dos garotos irem pra casa, pra não levantar suspeita na dona Cláudia, e eu tive que deixar eles irem embora. Antes de deixar eles irem, eu arrumei um jeito de poder falar com eles.
— Drei, anota meu número ai. — Mandei, adicionando o contato no celular dele. — Qualquer coisa que vocês precisarem, tipo qualquer coisa mesmo, tu me manda mensagem e eu vou resolver. — Disse pra ele de uma vez, falando muito sério. — Eu quero ver vocês de novo, mas tu não pode deixar a mãe saber. Isso vale pra vocês todos, não é pra contar isso pra ninguém.
Eles pareceram entender, então, eu dei um abraço em todos os meninos e levei eles até o ponto de ônibus. Quando eles entraram, eu senti como se fosse desmaiar. Caralho... Eu tava feliz pra cacete. Do meu lado, Barbás me olhava curioso.
— E ai, mina? Como tu tá? — Perguntou, voltando pra frente da escola, onde a moto dele estava.
Ele parou pra olhar pra mim e eu acho que acabei devolvendo um olhar muito idiota da minha parte. Um olhar muito sentimental... Mano, ele tinha me dado a coisa que eu mais queria na vida, que era ver os meus irmãos. Ele era um babaca, mas porra... tinha feito por mim o que mais ninguém fez até então. Dentro de mim, meu estômago parecia inquieto, como se tivesse borboletas na barriga. Eu sorri pra ele, um sorriso bobo de gratidão e carinho, com meu coração batendo descompassado no peito, aquecendo meu corpo inteiro.
Ai eu meio que perdi minha cabeça e corri até ele, jogando meus braços pelos ombros dele e o abraçando forte. De início, ele ficou meio desconfiado, meio surpreso, mas depois aceitou de bom grado, me envolvendo com os braços fortes.
— Valeu. Tu sabe que eu nunca vou poder te compensar o suficiente pelo que tu fez hoje por mim, né?! — Disse com uma voz baixinha.
Ele não respondeu, mas faz um carinho sutil no meu cabelo. Nós dois subimos na moto de novo e ele, ao invés de me levar de volta pra boca, me deixou na porta de casa. Bom... eu tinha o resto do dia livre, então, já que ele não me deixou nem discutir com ele sobre o assunto. Na verdade, aquele tempinho livre ia ser bom, porque tinha uma coisa que eu ainda precisava muito fazer...

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...