88

2.8K 192 0
                                    


— Pega esse pessoal de baixo ai. Vou tomar ângulo pra pegar os de cima. — Mandou, correndo pra longe de mim. Eu dei vários passos à frente, impedindo ele de ser focado por aqueles caras, me colocando em posição com minha pistola na mão. O primeiro deles, que virou no TK, não me viu a tempo de me evitar. Eu descarreguei um pente trocando tiro com ele, parando pra trocar o gasto pelo que tava na minha cintura muito rapidamente assim consegui abater ele. O outro, tava indo seco no Barbás, que revidava com a guarda completamente aberta. Se não fosse pela tropa da Barcelos quase inteira ali, ele teria virado uma peneira.

O segundo que saiu do beco, nesse meio tempo em que eu trocava de pente, saiu na minha frente e tava no meio de rua. Ele queria matar o William de qualquer jeito. Eu corri na direção dele, batendo com força no braço da arma, pra desviar a linha de tiro. Chutei a perna dele e consegui levar ele pro chão com uma chave, ai sim, eu atirei nele. O último já veio na minha direção, querendo me matar. Passei a mão na pistola e corri pra tentar tomar um muro de cobertura, só ouvindo os estalos nos tijolos atrás de mim. Assim como eu tinha impedido ele de morrer com um tiro na cara, o Barbás veio me socorrer. Logo que eu passei, ele mirou no maluco que tava me perseguindo e encheu ele de tiro. O que tava na laje, o TK matou sem muito problema.

Ai a gente parou ali. Eu me afastei um pouco do William, sentindo a aura de ódio flutuar dele pra todo o resto. Ele chutou um dos corpos e chamou o pessoal dele pra perto.

— Se liguem nesse papo aqui agora. A partir de hoje, ninguém mais responde à ordem nenhuma do M7. — Decretou. — Esse filho da puta acha que é nosso dono, mas ele tá mexendo com as pessoas erradas, irmão. O esculacho dele acabou, a gente só vai parar a hora que aquele merda tiver na vala.

Os caras ovacionaram ele. Ele tinha o apoio do povo da boca dele, confiava que todos os outros teriam também. Se todos os aliados que ele tinha juntado nesse meio tempo comprassem mesmo aquela ideia, teria fechado a parte baixa da Rocinha inteira contra o M7. Pela segurança dele, eu sabia que aquilo seria uma realidade. Barbás tava virado no diabo, mas ele não era homem de dar tiro no escuro. Provavelmente aquilo já tava esquematizado, só faltava a gota que ia transbordar o copo... Se pá eles ainda tinham esperança na paz, em não ter que botar as vidas deles em risco por uma causa... em não ter que mergulhar a favela numa guerra sangrenta. Agora não tinha jeito, já tava decretado, mandando. Todo mundo ali tinha motivos pra querer a cabeça do Misael numa bandeja, ter dado um desses pro Barbás pode ter sido um erro fatal pro M7. Ele, sim, tinha dado um passo em falso. O movimento tinha seu próprio código de moral, de conduta e ele, o Misael, tinha ignorado o mais precioso dos mandamentos: o sangue inocente se paga com o sangue do culpado. Quando todos ficassem sabendo o que ele tinha feito, ele estaria na mão do palhaço.

— TK, passo o rádio pros irmão ai. Manda avisar que a Rocinha virou. — Mandou. — E que amanhã eu quero me encontrar com eles, sem falta.

Fiquei ali, junto com o meu povo, como eu deveria fazer. Depois de feito, a tropa da Barcelos voltou para a sua região com a ordem de tomar conta de todas as entradas. Os soldados que patrulhavam a entrada pela Ápia tiveram escolha: ou se juntar ao pessoal da baixa Rocinha, ou subir e ficar com o chefe deles lá em cima, sabendo que se voltasse, levariam bala. Praticamente todos resolveram ficar, o que demonstrava bem como as coisas andavam sob o comando do Misael. Ai o Barbás foi se encontrar com o Russo, o Parma e o Peralta. Um de cada vez, pra reafirmar o que eu imaginava que eles já sabiam. Eles estavam juntos nessa e controlavam a parte baixa da favela, e apesar de não darem muitos detalhes, marcaram de conversar direito sobre o que tinha rolado no dia seguinte. O pacto, por outro lado, parecia estar mais forte que nunca. Eles sabiam que o Misael ia tentar pegar a parte baixa de volta, ele ia vir com tudo pra cima da gente, então, a maior parte dos soldados ia ter que se realocar perto das bordas, na fronteira entre onde era controle nosso e controle do M7. A gente precisava segurar o ponto, aquela parte era crucial. Se o Misael conseguisse quebrar a nossa linha de frente, ele ia pegar a todos nós "dormindo" e ai... ai nós todos estaríamos mortos.

Era foda, tava todo mundo tenso, mas geral ia cumprir sua parte e ia dar tudo certo. Era nisso que a gente tava confiando. A parte baixa era nosso. Se a gente conseguisse cortar a comunicação com o asfalto da parte alta, era questão de tempo pro cuzão cair do cavalo dele. Acontece que tinha um agravante, porém... Os aliados dele.

De qualquer maneira, o que era pra ser feito, já tinha sido. Os outros iam cuidar de segurar as nossas fronteiras, pra segurar os caras que o M7 ia, de certo, mobilizar contra a gente. O Barbás tinha que ir ver o filho dele como tava, ele era a prioridade agora. Meu irmão ia ficar no turno dele, pra ele ficar com o Pedrinho. Todos nós estávamos esperançosos... O menino era jovem, forte, ele ia sair dessa. Quando ficamos sozinhos, só eu, o Barbás e o TK, boca da Barcelos, o clima pesou pra todo mundo. Todos nós três ficamos próximos de desmontar. Tulio foi fazer a guarda pela janela da frente, enquanto o William ligava pra Shirley.

— Alô. Shirley, e o meu filho? — Perguntou de uma vez, pondo no viva voz.

— Ele tá na UPA aqui ainda, Barbás. Eles entubaram ele e tão tentando estabilizar o quadro. Foi o que o médico me disse. — Contou. — Vão precisar transferir ele pra um hospital no asfalto, falaram alguma coisa de hemorragia.

— Qual hospital? — Perguntou de uma vez.

— Eu não sei, eu...

— Descobre, anda.

A Shirley sumiu e a gente só ouvia a voz dela de fundo, indagando todo mundo.

— Miguel Colto. Fica no Leblon. — Explicou. — Olha Barbás, vão transferir ele daqui a pouco. Se você quiser se despedir dele, a hora é agora.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora